quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O ano do jubileu


O ano do jubileu- Um ano santo
William César de Andrade[1]
Introdução:
                O capítulo que trata diretamente do jubileu é Lv 25, mas a tradição de ano santo em Israel envolve outros gestos de restabelecimento de uma ordem justa e fraterna entre os membros do povo de Deus.
                Na tradição de Israel as leis fundamentais para o dia-a-dia da sociedade, para a resolução de pendências judiciais e para o perfeito encontro com Deus, estão reunidas na Torá, isso é os 5 primeiros livros da Bíblia (o Pentateuco). É neste conjunto que se encontra o livro do Levítico e dentro dele o ano santo do jubileu.
                O livro do Levítico, tal como aparece em nossas Bíblias atuais, é composto por quatro partes: “1- A Lei sobre os sacrifícios (1-7); 2-A Lei dos sacerdotes; 3-A lei da pureza (11-16); 4- A lei ou código de santidade (17-26). O capítulo 27 é um breve apêndice.”[2]
                A santidade é um caminho que individualmente e enquanto povo Deus coloca diante de nós. O povo de Israel entendia isso como um apelo à fidelidade e obediência à Aliança. O Levítico repetirá inúmeras vezes: “Sede santos, pois eu sou santo, eu, o Senhor vosso Deus” (19,2; 20,7.26; 21,8).
                O ano santo do jubileu, que aparece em Lv 25 tem sua origem na tradição do Ano sabático, que já era mencionado claramente em Ex 23,10-12: “Durante seis anos semearás a terra e recolherás os seus frutos. No sétimo ano, porém, deixarás de preparar e de cultivar a terra, para que se alimentem os pobres do teu povo, e os animais selvagens comam o resto. O mesmo farás com a vinha e o olival.. Seis dias trabalharás e no sétimo descansarás, para que descansem também o boi e o jumento, e possam tomar fôlego o filho de tua escrava e o estrangeiro.”
                Outro texto fundamental para se entender o ano do jubileu é sem dúvida Dt 15,1-18 (cf. Ex 21,1-11). Neste texto estão presentes: a) No sétimo ano perdoará as dívidas de modo que dentro do povo de Israel não existam mais devedores, mas é preciso ser generoso e atento aos pobres em suas necessidades - (contudo mantêm os contratos para os estrangeiros); b)No sétimo ano farás a libertação dos escravos hebreus por dívidas, e isso deve ser algo feito com boa vontade e disponibilizando a ajuda que for possível.
                A lei do ano sabático é, sem dúvida resultado de uma preocupação efetiva com a vida das pessoas mais vulneráveis, que na linguagem bíblica são muitas vezes chamados de pobres, fracos/débeis. Elas são indicativos de uma realidade marcada pela opressão, já que Israel quase sempre esteve dominada por grandes impérios: o Egito, a Assíria, Babilônia, os persas, gregos e romanos. Além de pesados impostos, que quase sempre eram pagos apenas pelo povo pobre, ainda havia a exploração interna que era feita pelo latifúndio e os ricos das cidades de Jerusalém, Samaria e outras. Resultado inevitável desse processo são as viúvas e os órfãos e os migrantes (Dt 10,18; 14,29; 16,11-14; 26,12; Is 1.17; 10,2), o endividamento e a escravidão (cf. Mq 2,9); a injustiça e a perda da terra (cf. Is 5,8; Mq 2,1-2).
A proposta do jubileu
                Um biblista nos indica que “a palavra jubileu vem do termo hebraico yôbel, cujo significado é ‘chifre’ de carneiro, usado como trombeta para anunciar o grande julgamento de Deus que visa à restauração da justiça.”[3]
                Em Lv 25,8-17 estão as informações básicas sobre a celebração do jubileu e o que deveria ser feito por todo o povo de Israel a cada cinqüenta anos. Nele estão previstos:
a)      O direito ao descanso da terra (25,11-12) – mas como a ocasião é especial serão dois anos sem que a terra seja trabalhada, isso é, sem semear ou podar os vinhedos. Para que não houvesse fome ou desabastecimento era preciso planejar e estocar o alimento.
b)      O direito dos pobres à terra e à casa (|Lv 25,10-13) – as pessoas que perderam suas terras por dívidas podiam regressar a elas sem nenhum impedimento. Ninguém em Israel era proprietário de fato, pois a terra era de Deus, e como dizia Nabot : “...a herança de meus pais” (1Rs 21,3). Voltar para sua terra era também retomar todos os contatos com os parentes, reatar os vínculos e reconstruir sua ‘casa’.
c)       O direito dos pobres à liberdade (25,10.39-54). Aqui se supõe que nem sempre a lei do sabático tenha sido cumprida, por isso no jubileu a libertação dos escravos hebreus é uma exigência. Só pertence ao povo de Deus quem for capaz de acolher a vontade de Deus. Em Lv 25,35-55 de explicita como o resgate deve ocorrer.
d)      O direito de não ser oprimido ( 25,14-17) – Não se pode aproveitar a situação de crise ou de fragilidade de uma pessoa para tirar vantagem dela nos negócios. Ninguém pode deliberadamente prejudicar a outras pessoas. No livro do Eclesiástico isso é chamado de assassinato (Eclo 34,22-27).
Uma pergunta pode estar em nossa cabeça: como é que as pessoas faziam para assegurar seus direitos adquiridos a partir do ano sabático e do jubileu?
Na tradição bíblica há a figura do resgatador, o defensor do pobre/vulnerável, ele é o goel, só no Lv 25 essa palavra aprece em torno de 18 vezes.  Sua função era: 1) Resgatar a terra para seu irmão pobre (cf. Lv 25,25); 2) Resgatar a casa vendida numa cidade fortificada por um ano (Lv 25,29-31); 3) Resgatar os irmãos que foram vendidos como escravo por suas dívidas (Lv 25,47-49); 4) Fazer a justiça a um irmão assassinado (Nm 35,19-21); 5) Cumprir a lei do levirato – desposar sua cunhada viúva e sem filhos a fim de gerar um herdeiro para o irmão falecido (Dt 25,5-10).
Síntese final: A pastoral da igreja, principalmente aquelas que estão voltadas para as situações de vulnerabilidade, junto com os movimentos sociais são os protagonistas atuais do sonho do jubileu.


[1] Bíblista do CEBI-DF, professor de história no Projeção e da CEHILA-BR.
[2] GASS, I. B. ‘O ao do jubileu, um ano de libertação – Lv 25’ in Estudos Bíblicos nº 57, 1998, pp. 9-23. P. 10.
[3] Idem, p. 14.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Notícias da Caminhada


Prezados companheiros e companheiras,
A caminhada no Distrito Federal continua firme e cheia de motivações.
Chico, Gilberto e demais camaradas sempre nos prestigiam com as informações ligadas as lutas populares no DF e animam o nosso vigor para pensarmos a conjuntura local.
Além dessa caminhada de libertação em processo com a participação de tantos e tantas, também a nossa vida eclesial se sustenta por inúmeros momentos e espaços de resistência e ousadia.
Só para vocês terem uma idéia, essa semana tive conhecimento de vários acontecimentos em nossa cidade. Além do acampamento do MST (creio que todos deram uma passadinha lá) aconteceu:
1. Encontro Regional de Presbíteros: apesar de haver pouca participação do nosso presbitério, tal encontro realizar-se em Brasília revela-se como sinal de esperança para a nossa Igreja local;
2. Seminário de assessores/as das CEBs: o encontro reuniu 6 regionais da CNBB inclusos Norte e Centro-Oeste do país. A dinâmica desse seminário provocou os participantes a articular com maior entusiasmo a caminhada das CEBs nas dioceses. Atenção amigas/os para reorganizarmos a nossa caminhada no DF.
3. Assembléia do CEBI: O polo do Centro-Oeste reuniu-se no INCRA 7 para pensar a caminhada do CEBI, como ficamos contentes em saber da organização cada vez melhor e entusiasmada na formação da leitura popular da Bíblia em nosso cerrado.
4. Encontro dos Padres Casados: os presbíteros casados do DF e suas esposas reuniram-se neste Domingo para trabalhar o subsídio em preparação do Encontro Nacional que será realizado no próximo ano. Não podemos deixá-los invisíveis...
5. Reunião da PJ: lá na samambaia, a juventude se reuniu na comunidade Nossa Senhora Aparecida para pensar o DNJ, não é legal?! A próxima reunião vai acontecer aqui em Sobradinho. Estamos ansiosos para acolhê-los.
6. Deve ter muitas outras coisas acontecendo, ajudem a lembrar...
Vamos ver o que vai acontecer ainda:
1. Hoje a noite (29 de agosto) estaremos reunidos para preparar as próximas atividades da nossa articulação de romeiros/as da caminhada.
2. 3 de setembro: ENCONTRO DE AVALIAÇÃO DA ROMARIA DOS MÁRTIRES E PREPARAÇÃO DO 8º ENCONTRO NACIONAL DE FÉ E POLÍTICA. COMPAREÇAM!
3. 8º Encontro Nacional de Fé e Política: 29 e 30 de outubro/2011, Embu das Artes - SP. Com a presença de D. Paulo Evaristo Arns.
4. Retiro para os Romeiros/as da Caminhada.
5. Lançamento da Agenda Latino-Americana.
Precisamos pensar:
1. Encontro com o novo arcebispo de Brasília;
2. Encontro das CEBs do Distrito Federal;
3. Preparar para o próximo ano as comemorações dos 50 anos do Concílio Vaticano II e 40 anos do lançamento da obra de Gustavo Gutierrez TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO (1971).
E não esqueçam, aqui em Sobradinho estamos em tempos de Santas Missões Populares.
Nossa gente, quantas coisas! E tem mais, mas depois eu conto, senão assusta...
Se puder, cadastre-se no grupo Romaria ou CEBI, facilita para receber as notícias.
Seguimos adiante! E lembrem-se: "podem nos tirar tudo, menos a esperança" Pedro Casaldáliga.
Abraços,
Daniel Higino

Fim do Mês, inicio de outro: agenda da semana

29/08: Reunião na UCB - Preparação do 8º Encontro Nacional de Fé e Política.
30/08: Primeira reunião do clero com o novo Arcebispo de Brasíia.
31/08: Celebração das SMP no setor 9 em Sobradinho - DF.
           D. Leônidas Proaño - Riobamba-Equador.
01/09: Homenagem ao Pe. Konnings como professor emérito na FAJE - Belo Horizonte/MG.
           Ascenção de Maomé.
02/09: Outra vez na mesa da cirurgia: estudo eletrofisiológico com Ablação.
03/09: Reunião de avaliação da Ampliada: Cáritas.
04/09: 23º Domingo do Tempo Comum.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

ESTAMIRA MORREU!


Globo.com - 28/07/2011 21h05 - Atualizado em 28/07/2011 23h03

Morre Estamira, personagem-título de premiado documentário brasileiro

Ela estava internada desde terça (26), no Hospital Miguel Couto, no Rio. Filme dirigido por Marcos Prado mostrou cotidiano da catadora de lixo.

Do G1 RJ
Estamira em cena no premiado documentário
brasileiro (Foto: Reprodução/Divulgação)
Estamira Gomes de Sousa, personagem-título do premiado documentário brasileiro "Estamira", morreu no início da noite desta quinta-feira (28), no Rio.
Segundo a Secretaria municipal de Saúde, Estamira, de 70 anos, estava internada no Hospital Miguel Couto, na Gávea, Zona Sul da cidade, desde a última terça-feira (26) e morreu com consequência de uma septicemia (infecção generalizada).
Marcos Prado, diretor do documentário, falou sobre o convívio com a catadora de lixo, que também era diabética, e que há mais de 20 anos trabalhava no aterro sanitário em Gramacho, localizado no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
"Foi fascinante. Ela era quase que uma profetisa dos dias atuais, uma pessoa muito legítima. Jamais montamos suas frases na edição. Todos os discursos incluídos no filme são contínuos. Ela acreditava ter a missão de trazer os princípios éticos básicos para as pessoas que viviam fora do lixo onde ela viveu por 22 anos. Para ela, o verdadeiro lixo são os valores falidos em que vive a sociedade", comentou Prado.
Ernani, um dos três filhos deixados por Estamira, ainda não sabe exatamente qual será o destino do corpo da mãe. "Estamos querendo fazer o sepultamento no Cemitério do Caju, onde minha avó foi enterrada, mas ainda não tive muito tempo para resolver essas coisas. Por isso, não sei quando será o enterro".
NegligênciaTanto Ernani quanto o diretor Marco Prado, que ajudou na internação da catadora, acusam o hospital de negligência. "Ela foi inadequadamente atendida. Ficou literalmente abandonada nos corredores do hospital sem nenhum tipo de atendimento, só com o filho como testemunha. E isso quando já existia o diagnóstico de infecção generalizada. A indignação é grande. E é triste saber que outras Estamiras vão morrer pelo mesmo descaso", destacou o cineasta.
Procurada pelo G1, a Secretaria municipal de Saúde negou as acusações e afirmou que em momento algum a paciente foi acomodada em um dos corredores do hospital, onde, segundo a administração da unidade, é proibido internar pacientes.
 
Obituário da Folha S Paulo: ESTAMIRA GOMES DE SOUSA (1941-2011)
Protagonista do filme "Estamira"
JULIANA VAZCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
 
Estamira, catadora de lixo, em cena do documentário sobre sua vida
Estamira Gomes de Sousa, ex-funcionária de um lixão que teve a vida retratada no documentário "Estamira", premiado no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em 2004, morreu anteontem, aos 70, no Rio de Janeiro. A causa da morte foi uma infecção generalizada. Natural de Jaraguá (GO), trabalhava havia mais de 20 anos no aterro de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, quando o diretor do filme, Marcos Prado, a conheceu. Em 1996, Prado já ganhara um prêmio de fotografia pelos registros realizados por três anos no lixão. Continuou indo ao local e, em 2000, pediu para tirar fotos de uma mulher que viu no caminho. Era Estamira. Ela, que sofria de distúrbios mentais, lhe contou que tinha uma missão: "Revelar e cobrar a verdade". Questionou o fotógrafo se ele sabia qual era a dele. Antes que respondesse, disse: "A sua missão é revelar a minha missão". Assim, ele decidiu rodar o filme. Segundo o filho Ernane, a mãe continuou recebendo atenção do diretor mesmo após o lançamento do filme. Ganhava uma mesada. À Folha Prado afirmou que cuidou dela diversas vezes. Sobre sua morte, contou: "Ela foi totalmente negligenciada, ficou horas sem ser atendida no [hospital] Miguel Couto". Ernane diz que a mãe esperou mais de cinco horas. O hospital informou que ela deu entrada na terça com quadro infeccioso grave e que recebeu todo o acompanhamento necessário.Segundo o filho, o enterro será hoje, às 11h, no cemitério do Caju, no Rio. (FSP, Obituário 30,7,2011)
 
Site Oficial: 

Estamira - www.estamira.com.br/

 
 
SOBRE O DOCUMENTÁRIO ESTAMIRA 
Por Juliana Cruz,
crítica de cinema e estudante de jornalismo -  e-mail: julianaecruz@yahoo.com.br
 
 
“Estamira” relata fielmente a vida de uma senhora tachada como louca pela família e médicos, porém de uma lucidez incrível.Este foi o primeiro documentário do originalmente fotógrafo Marcos Prado. Vencedor de um total de 23 prêmios nacionais e internacionais conta a história de Estamira, mulher simples de vida difícil que encontra no lixão uma possibilidade de sobrevivência.Essa senhora de 62 anos de idade renega a Deus por diversas razões e é capaz de explicar todos os fenômenos naturais e humanos de forma lúcida, eloqüente e ao mesmo tempo questionadora. Ela é uma prova de que as pessoas têm sim a capacidade de pensar e agir de forma contrária à padrão e se manterem intelectualmente ativas, embora os psicanalistas que a tratam discordem desse conceito preferindo dopá-la à ouvi-la.Estamira não é uma mulher estudada, pelo contrário, mal sabe ler já que durante a infância passou por maus bocados que, no decorrer do documentário, servem para explicar suas “crenças” e instabilidade emocional.A direção de Marcos Prado foi brilhante, ele não tentou dar voz à Estamira, ele simplesmente buscou uma forma de tornar visível sua existência para que servisse de exemplo nu e cru para todos aqueles que venham a se interessar por compreender o ser humano como indivíduo racional, não só emocional como estamos acostumados a ver nas telas de cinema. (Fonte: Site Cranik)Título Original: Estamira  Gênero: Documentário  Duração: 115 min. Ano: Brasil - 2006Distribuidora: Riofilme/Zazen Produções Audiovisuais  Direção e Roteiro: Marcos Prado

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

CASA ARRUMADA de Carlos Drummond de Andrade


Casa Arrumada
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Casa arrumada  é assim:
Um lugar organizado, limpo, com espaço livre pra circulação e uma boa
entrada de luz.
Mas casa, pra mim, tem que ser casa e não um centro cirúrgico, um
cenário de novela.
Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterilizando, ajeitando os
móveis, afofando as almofadas...
Não, eu prefiro viver numa casa onde eu bato o olho e percebo logo:
Aqui tem vida...
Casa com vida, pra mim, é aquela em que os livros saem das prateleiras
e os enfeites brincam de trocar de lugar.
Casa com vida tem fogão gasto pelo uso, pelo abuso das refeições
fartas, que chamam todo mundo pra mesa da cozinha.
Sofá sem mancha?
Tapete sem fio puxado?
Mesa sem marca de copo?
Tá na cara que é casa sem festa.
E se o piso não tem arranhão, é porque ali ninguém dança.
Casa com vida, pra mim, tem banheiro com vapor perfumado no meio da tarde.
Tem gaveta de entulho, daquelas que a gente guarda barbante,
passaporte e vela de aniversário, tudo junto...
Casa com vida é aquela em que a gente entra e se sente bem-vinda.
A que está sempre pronta pros amigos, filhos...
Netos, pros vizinhos...
E nos quartos, se possível, tem lençóis revirados por gente que brinca
ou namora a qualquer hora do dia.
Casa com vida é aquela que a gente arruma pra ficar com a cara da gente.

Arrume a sua casa todos os dias...
Mas arrume de um jeito que lhe sobre tempo pra viver nela...
E reconhecer nela o seu lugar.
 

terça-feira, 23 de agosto de 2011


23.08.11 - Mundo
Ética e amorosidade
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais

Adital

Ao longo da história, normas de conduta ética derivaram das religiões. Deuses e seus oráculos prescreviam aos humanos o certo e o errado, o bem e o mal. Forjou-se o conceito de pecado, tudo aquilo que contraria a vontade divina. E injetou-se no coração e na consciência dos humanos o sentimento de culpa.
Cada comunidade deveria indagar aos céus que procedimento convinha, e acatar as normas éticas ditadas pelos deuses. Sócrates (469-399 a.C.) também fitou o rumo do Olimpo à espera dos ditames éticos das divindades que ali habitavam. Em vão. O Olimpo grego era uma zorra. Ali imperava completa devassidão.
Foi a sorte da razão. E o azar de Sócrates; por buscar fundamentos éticos na razão foi acusado de herege e condenado à morte por envenenamento.
Apesar da herança filosófica socrática contida nas obras de Platão e Aristóteles, no Ocidente a hegemonia cristã ancorou a ética no conceito de pecado.
Com o prenúncio da falência da modernidade e a exacerbação da razão, o Ocidente, a partir do século 19, relativizou a noção de pecado. Inclusive entre cristãos, bafejados por uma ideia menos juridicista de Deus e mais amorosa e misericordiosa.
Estamos hoje na terceira margem do rio... Deixamos a margem em que predominava o pecado e ainda não atingimos a da ética. Nesse limbo, grassa a mais deslavada corrupção. O homem se faz lobo do homem.
Urge chegar, o quanto antes, à outra margem do rio. Daí tanta insistência no tema da ética. Empresas criam códigos de ética, governos instituem comissões de ética pública, escolas promovem debates sobre o assunto.
Basta olhar em volta para perceber a deterioração ética da sociedade: o presidente galardeado com o Nobel da Paz promove guerras; crianças praticam bullying nas escolas; estudantes agridem e até assassinam professores; políticos se apropriam descaradamente de recursos públicos; produções de entretenimento para cinema e TV banalizam o sexo e a violência.
Já que não se pode esperar ética de todos os políticos ou ética na política, é preciso instaurar a ética da política. Introduzir na reforma política mecanismos, como a Ficha Limpa, que impeçam corruptos e bandidos de se apresentarem como candidatos. Estabelecer mecanismos de rigoroso controle e eventual punição (como a revogação de mandatos) de todos que ocupam o poder público, de tal modo que os corruptos em potencial se sintam inibidos frente à ausência de impunidade.
"Tudo posso, mas nem tudo me convém”, escreveu o apóstolo Paulo na Primeira Carta aos Coríntios (6, 12). Este parâmetro sinaliza que a ética implica tolerância, respeito aos valores do outro, evitar causar desconfortos na convivência social.
O fundamento da ética é o amor. Era nele que Paulo "tudo podia”. "Ama e faze o que quiseres”, disse Santo Agostinho três séculos depois do apóstolo.

[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Veríssimo e Cristovam Buarque, de "O desafio ético” (Garamond), entre outros livros. http://www.freibetto.org/twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Agenda da Semana: 22 a 28 de agosto de 2011

De 22 a 25: Encontro Regional de Presbíteros.
De 25 a 28: Seminário de Formação para assessores das CEBs.
Manifestação do MST em Brasília - A partir do dia 22.
22: Filme: O Veneno está na Mesa, no museu da República às 19hs.
26: Reunião da coordenação pastoral da paróquia.
26 a 28: Assembléia do CEBI Planalto Central.
28: Encontro dos padres casados de Brasília.
28: Reunião da PJ em preparação ao Dia Nacional da Juventude.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Um grito mudo - Frei Betto


19.08.11 - Mundo
Um grito mudo
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital

A foto do jornal me causou horror. A criança somali lembrava um ET desnutrido. O corpo, ossinhos estufados sob a pele escura. A cabeça, enorme, desproporcional ao tronco minguado, se assemelhava ao globo terrestre. A boca –ah, a boca!–escancarada de fome emitia um grito mudo, amargura de quem não mereceu a vida como dom. Mereceu-a como dor.
Ao lado da foto, manchetes sobre a crise financeira do cassino global. Em dez dias, as bolsas de valores perderam US$ 4 trilhões. Estarrecedor! E nem um centavo para aplacar a fome da criança somali? Nem uma mísera gota de alívio para tamanho sofrimento?
Tive vergonha. Vergonha da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reza que todos nascemos iguais, sem propor que vivamos com menos desigualdades. Vergonha de não haver uma Declaração Universal dos Deveres Humanos. Vergonha das solenes palavras de nossas Constituições e discursos políticos e humanitários. Vergonha de tantas mentiras que permeiam nossas democracias governadas pela ditadura do dinheiro.
US$ 4 trilhões derretidos na roleta da especulação! O PIB atual do Brasil ultrapassa US$ 2,1 trilhões. Dois Brasil sugados pelos desacertos dos devotos do lucro e indiferentes à criança somali.
Neste mundo injusto, uma elite privilegiada dispõe de tanto dinheiro que se dá ao luxo de aplicar o supérfluo na gangorra financeira à espera de que o movimento seja sempre ascendente. Sonha em ver sua fortuna multiplicada numa proporção que nem Jesus foi capaz de fazê-lo com os pães e os peixes. Basta dizer que o PIB mundial é, hoje, de US$ 62 trilhões. E no cassino global se negociam papéis que somam US$ 600 trilhões!
Ora, a realidade fala mais alto que os sonhos e a necessidade que o supérfluo. Toda a fortuna investida na especulação explica a dor da criança somali. Arrancaram-lhe o pão da boca na esperança de que a alquimia da ciranda financeira o transformasse em ouro.
À criança faltou o mais básicos de todos os direitos: o pão nosso de cada dia. Aos donos do dinheiro, que viram suas ações despencarem na bolsa, nenhum prejuízo. Apenas certo desapontamento. Nenhum deles se vê obrigado a abrir mão de seus luxos.
Sabemos todos que a conta da recessão, de novo, será paga pelos pobres. São eles os condenados a sofrerem com a falta de postos de trabalho, de crédito, de serviços públicos de qualidade. Eles padecerão o desemprego, os cortes nos investimentos do governo, as medidas cirúrgicas propostas pelo FMI, o recuo das ajudas humanitárias.
A miséria nutre a inércia dos miseráveis. Antevejo, porém, o inconformismo da classe média que, nos EUA e na União Europeia, acalentava o sonho de enriquecer. A periferia de Londres entra em ebulição, as praças da Espanha e da Itália são ocupadas por protestos. Tantas poupanças a se volatilizarem como fumaça nas chaminés do cassino global!
Temo que a onda de protestos dê sinal verde ao neofascismo. Em nome da recuperação do sistema financeiro (dirão: "retomada do crescimento”), nossas democracias apelarão às forças políticas que prometem mais ouro aos ricos e sonhos, meros sonhos, aos pobres.
Nos EUA, a derrota de Obama na eleição de 2012 revigorará o preconceito aos negros e o fundamentalismo do "tea party” incrementará o belicismo, a guerra como fator de recuperação econômica. A direita racista e xenófoba assumirá os governos da União Europeia, disposta a conter a insatisfação e os protestos.
Enquanto isso, a criança somali terá sua dor sanada pela morte precoce. E a Somália se multiplicará pelas periferias das grandes metrópoles e dos países periféricos afetados em suas frágeis economias.
Ora, deixemos o pessimismo para dias melhores! É hora de reacender e organizar a esperança, construir outros mundos possíveis, substituir a globocolonização pela globalização da solidariedade. Sobretudo, transformar a indignação em ação efetiva por um mundo ecologicamente sustentável, politicamente democrático e economicamente justo.

     
[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Barros, de "O amor fecunda o Universo – ecologia e espiritualidade” (Agir), entre outros livros. http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
Copyright 2011 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL– Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Homilia - Mt 22,1-14


Queridos irmãos e irmãs,
        Certo dia alguém me procurou depois da missa incomodada com a expressão: “felizes os convidados para a ceia do Senhor”. No fundo temia não estar preparada para comungar, ou desconfiava da quantidade de pessoas na fila da comunhão. Senti certo escrúpulo demasiado na pergunta, mas procurei escutá-la e tranquiliza-la. Quem será mesmo convidado para participar da ceia? O Evangelho de hoje nos apresenta caminhos para a nossa meditação.
Chama-nos atenção a pregação de Jesus em nos propor a centralidade do anúncio no Reino de Deus. O banquete do Senhor será para nós sempre antecipação do banquete eterno, e ao mesmo tempo fazer memória do da Páscoa do Senhor. A celebração eucarística nos convida a participar da festa de núpcias de Deus com o povo, desperta em nós a alegria do serviço e o compromisso em propagar o Reino.
        O texto nos fala de três momentos: o convite para a festa aos convidados do Rei e sua respectiva recusa, o convite realizado aos pobres e a despedida do convidado imprudente sem o traje adequado.
        A parábola de Jesus se dirige aos Sumos Sacerdotes e os anciãos do povo. Representavam, portanto, poderosos e ricos. Os sumos sacerdotes coordenavam o templo, compunham o alto clero e assumiam a responsabilidade pelas finanças e o culto. Os anciãos eram a aristocracia leiga de Israel. Donos de muitas propriedades e terras. Representavam a elite econômica da época. Achavam-se próximos de Deus. Na arrogância de seu conhecimento e atributos na sociedade impunham preceitos e normas para os judeus. Sentiam-se intocáveis e desprezavam qualquer ideia nova ou diferente.
        Na parábola, Jesus toca na ferida dessas elites. O Reino dos Céus é como um rei que preparou a festa de casamento de seu filho. Festa de caráter privativo, familiar, destinado a pessoas próximas. Mandou seus servos chamar os convidados para a festa, mas eles não quiseram vir. Provavelmente pessoas ligadas aos noivos e ao Rei. Mandou outros servos convidarem e dizer: “Venha para a festa!”. Não deram atenção, preferiram cuidar do campo, dos negócios e outros ainda pegaram os servos, bateram e mataram. Curioso, aqueles aparentemente próximos do rei desprezam o convite para o casamento e ainda praticam maldade e violência.
        O rei não cancela a festa, tudo pronto, mas os convidados não foram dignos dela. E completou: “portanto, ide às encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mt 20, 10). Em Lucas vai dizer: “Sai depressa pelas praças e ruas da cidade. Traze para cá os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos” (Lc 14, 21). Os servos saíram pelos caminhos e convidaram todos os que encontraram, bons e maus e a sala ficou cheia de convidados. O Reino de Deus destina-se a todos, mas os ricos a desprezam e os pobres deixa repleta a sala do banquete.
        Por fim, Jesus também chama a atenção dos discípulos. Não basta o convite para a festa. Cabe vestir o traje. O amor e a misericórdia correspondem a vestimenta para entrar no Reino e participar do banquete do Senhor. Muitos ficam sem palavras diante do absurdo de pertencer aos convivas e não corresponder ao projeto de Deus. Esse será lançado nas trevas. Entre os pobres há também aqueles com cabeça de rico. Pensam já possuírem a salvação pelo fato de participarem dos cultos e da Igreja. E onde está a partilha? A justiça? E a misericórdia?
        O Evangelho de hoje encerra-se com o dito “muitos os chamados e poucos os escolhidos”. O caminho do seguimento de Jesus apresenta-se aberto, encantador, repleto de surpresas. Caminho de gratuidade, perseverança e amor. Possui desafios e, por isso,  dificuldades. As exigências de tal compromisso não significa sofrimento, mas renúncia e ascese. Quer dizer, capacidade de fazer opções e alegrar-se por elas.
        Felizes irmãs e irmãos, somos nós, todos convidados a participar da mesa do Senhor. Não queiramos ocupar a posição dos chefes dos sacerdotes e anciãos. Eles, íntimos do rei, rejeitaram o convite. Sejamos como a multidão dos pobres e excluídos, discípulos e discípulas de Jesus. Porém, não deixemos de nos preparar para usar a vestimenta adequada para tal banquete do Reino do Pai.
        

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Homenaje a los mártires de Brasil

Homenaje a los mártires de Brasil

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Agenda da Semana: 15 a 21 de agosto de 2011

Sugestão de leituras:
15: Mt 19,16-22
16: Mt 19,23-30
      Assassinado Roger Schultz, fundador do movimento ecumênico de Taizé, França.
17: Mt 20,1-16a.
18: Mt 22,1-14.
      Alberto Hurtado, padre chileno, apóstolo dos pobres, canonizado em 2005.
19: Mt 22,34-40
20: Mt 23,1-12
21: Lc 1,39-56
     Festa da Assunção de Nossa Senhora
Duas atividades interessantes para colocar na agenda essa semana:
18 = Reunião de avaliação da Romaria e programação de novas atividades.
        Local: CIMI
        Horário: 19hs.
21 = Caminhada da Família.
        Local: Em frente a Igreja Nossa Senhora do Rosário de Fátima Q.08, Sobradinho.
        Horário: 8hs.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Homenagem para Margarida Maria Alves



Celebramos hoje o martírio de Margarida Maria Alves. Atuou profeticamente na presidência do sindicato dos trabalhadores rurais de Lagoa Grande-PB. O martírio dela ocorreu em 1983. A frase dita uma semana antes da sua morte quando lhe disseram das ameaças tornou-se marco da caminhada.
Assim falou para D. José Maria Pires: "PREFIRO MORRER NA LUTA DO QUE MORRER DE FOME"
Também convidamos a todos para participarem do II Retiro das Santas Missões Populares que se inicia hoje aqui na Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Siga o blog http://smpsobradinho.blogspot.com/ e acompanhe.
O vídeo abaixo retrata cenas da I Romaria dos Mártires em 1986.
Assistam, serve como homenagem a nossa Santa Margarida Alves.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Homenagem para Naelta


NAELTA MARIA DE JESUS DOS SANTOS
O ÚLTIMO PRIMEIRO SÁBADO

Pe. Daniel Higino Lopes de Menezes

            Aprendi na teologia a orientação fundamental da fé cristã: no fim o ínicio. Jamais poderemos dizer que tudo acabou, nem mesmo dizer que algo não tem futuro. A vida sempre desabrocha com novos horizontes quando tudo parece terminado. Assim também acontece com a experiência da morte. Ela representa novo início de algo que sempre foi, mas virá a ser eterno. Naelta amou a vida e a experimentou com integridade. Jamais deixou de aproveitar com intensidade cada dia da sua vida.  Alguém que soube viver não cabe num caixão ou enterrada numa cova. Tal espaço torna-se insignificante e pequeno perante sua grandeza. A vida torna-se seu destino e agora a desfruta na totalidade do ser nos braços maternos de Deus.
            Recentemente Naelta me pediu para escrever um documento para sua empresa Panavision. Disse que gostava da forma como eu escrevia. Preparei com muito carinho e não tive tempo de saber se tal documento produziu seu efeito. Porém isso não importa no momento. Ao considerar o gosto dela pela minha produção, resolvi escrever esta mensagem como expressão da última homenagem. Não preciso escrever muito, mas sinto-me obrigado moralmente a registrar meu carinho e gratidão a essa grande companheira, com o meu registro por escrito.
            Convivi diretamente com Naelta quando fui pároco em Santa Maria. Amizade consolidada nesses 7 anos de caminhada. Ela participou do Conselho Administrativo da Paróquia (CAP), foi membro do Conselho Financeiro Paroquial (CFP) e atuou no Conselho Pastoral Comunitário (CPC). Por dois mandatos, contribuiu no Conselho Pastoral Paroquial (CPP). Além de ter sido talvez a única pessoa a ser eleita em todos os conselhos deliberativos da paróquia, jamais perdeu a discrição e nunca se tornou arrogante pelo serviço prestado à comunidade. Naelta cuidou com muito esmero da coordenação financeira das festas do padroeiro (FÉ SANTA). Eleita como primeira tesoureira da Cáritas Paroquial e sua co-fundadora, garantiu a eficiência e a competência da missão evangelizadora da Igreja nos serviços prestados.
            Além de ter participado integralmente de toda a caminhada na minha gestão como pároco, sua virtude se estende por todas as outras etapas da vida da paróquia. Observa-se a marca do seu compromisso e participação na assessoria de todos os párocos que ali passaram. Naelta não era “dona da Igreja”, esse título nunca lhe coube e jamais escutamos alguma crítica nesse sentido. Porém todos a reconheciam por aquilo que ela mesma dizia “Apenas ajudo”. Lembra-nos as palavras do Evangelho quando nos diz “somos servos inúteis, fizemos apenas aquilo que devíamos fazer” (Lc 17,10). Expressão da sua diaconia como serviço autêntico e dedicado ao Reino e à comunidade. Apaixonada por liturgia, renunciou, em parte, a tal ofício, resolveu priorizar a dimensão administrativa da paróquia, pois via ali a necessidade da comunidade e a possibilidade de contribuir com o seu carisma empreendedor.
            A nossa homenagem a Naelta não se restringe em agradecer por aquilo que ela fez, mas, sim, por aquilo que ela foi e sempre será. Ao procurar resumir em poucas palavras o significado da sua vida, dizemos: ELA MUITO AMOU. Não julgava as pessoas pela aparência, ideologia, opção sexual, fragilidades ou virtudes, ela apenas amava indiscrimidamente. Talvez por isso se consolidou como conselheira. Não quero dizer das funções nos organismos colegiados da paróquia, mas como aquela que sabia ouvir e orientar as pessoas quando a procuravam. E se eu dissesse da relação dela com sua família, passaria várias páginas e não conseguiria traduzir o quanto amou a todos. Seus parentes testemunham tal afirmação.
            Segundo Naelta, o primeiro sábado do mês, ela o dedicava integralmente à comunidade. Escolheu esse dia para se despedir de todos nós. Esse encontro final ocorreu com o velório na capela que ela ajudou a construir, na sede da comunidade onde colaborou na fundação. Atraiu a todos/as naquela noite de envio na S. Francisco com o seu jeito simples, terno e franciscano. Na celebração eucarística, conseguiu reunir todos os presbíteros que tiveram o encargo da coordenação da paróquia para, reunidos em torno da mesa do altar, presidirem a celebração da páscoa de Jesus realizada na páscoa da Naelta. Parabéns, minha amiga, até nesse momento marcado por saudades, você congrega e reúne as pessoas para celebrar o amor. Sua despedida final reuniu centenas de pessoas. Isso traduz a imensa gratidão de todos que conviveram contigo.
            Falar de defeito? Não o lembro. Recordo a última conversa quando tratamos sobre a morte. Disse para mim que a melhor seria dormindo, sem dor e muito rápido, pois não gostaria de padecer com o sofrimento antes de consolidar a partida. Não podemos garantir como se passou seus últimos minutos, mas podemos afirmar quão repentino aconteceu e como nos fez chorar pela surpresa. O primeiro sábado do mês, talvez o último do nosso encontro, torna-se agora o primeiro dia da eternidade contemplando o novo início desse inesperado fim.


terça-feira, 9 de agosto de 2011

Agenda da Semana

8 a 11: I Semana de Gênero da UCB. Tema: Identidade e Gênero.
12 a 14: II Retiro das Santas Missões Populares.
8: Nasce Emiliano Zapata (1873).
9: Os EUA lançam a bomba atômica em Nagazaki (1945).
    Dia da ONU das Populações Indígenas.
10: Tito de Alencar, dominicano (1974).
11: Dia de Santa Clara.
12: Margarida Maria Alves (1983)
      Dia Internacional da ONU da Juventude.
13: Construção do muro de Berlim (1961).
14: Alceu Amoroso Lima (1983).

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Abandono do Método Ver-Julgar-Agir

Abandono do Método Ver-Julgar-Agir
José Lisboa Moreira de Oliveira[1]
- 18 07 2011

        Dias atrás, ao escrever sobre o cinquentenário da Mater et Magistra, lembrei que o papa João XXIII, definiu como o melhor método para a formação nos princípios da justiça social aquele que depois foi consagrado pela Igreja latino-americana: conhecer a situação concreta, examinar essa realidade à luz da Palavra e da doutrina da Igreja e, por fim, agir "de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar” (MM, 236).
Lembrava ainda que o "papa buono”, neste mesmo parágrafo da encíclica definia tal método como ver, julgar, agir. Salientava que, segundo o papa, é necessário "que os jovens, não só conheçam esse método, mas o empreguem, concretamente, na medida do possível, a fim de que os princípios adquiridos não permaneçam para eles no campo das ideias abstratas, mas sejam traduzidos na prática” (MM, 237).
Em meu artigo afirmava que um dos sinais mais evidentes do inverno tenebroso da atual Igreja, especialmente aqui na América Latina, é o aborto progressivo deste método. Documentos recentes dos episcopados e das Igrejas locais revelam a intenção premeditada de enterrar definitivamente este precioso legado consagrado por um documento tão valioso do Magistério da Igreja.
O sepultamento do método ver-julgar-agir começa aqui na América Latina com as Conclusões de Santo Domingo, no início da década de 1990. Daí para cá os documentos oficiais foram abandonando-o progressivamente. O mais recente exemplo disso pode ser encontrado nas Diretrizes da ação evangelizadora da Igreja no Brasil, aprovadas em maio passado.
O abandono do método ver-julgar-agir revela a pendência clara da Igreja para a direita. Por se tornar cada vez mais conservadora e fundamentalista, ela rejeita todo método que possa criar nos cristãos e nas cristãs o espírito crítico e a capacidade de enxergar melhor a realidade e as causas de determinados problemas. Além disso, revela uma pobreza cada vez maior no campo teológico e um desconhecimento crescente da pedagogia bíblica.
De fato, se observarmos atentamente a tradição profética e a prática de Jesus, é possível perceber que o método utilizado não tem como ponto de partida a teologia, mas a realidade. Para propor a conversão, a mudança, tanto das pessoas como das estruturas sociais, os profetas e Jesus não partem de afirmações teológicas substanciais, mas do que está acontecendo. Após terem mostrado como se encontra a realidade, fazem o confronto com o que é considerado palavra de Deus e convidam a mudanças radicais, a reviravoltas.
No que diz respeito aos profetas, os exemplos são numerosos e seria impossível falar de todos eles. Bastaria lembrar dois episódios que são bem emblemáticos do método usado pelos profetas. O primeiro é o caso do adultério de Davi (2Sm 12,1-14). O profeta Natan não chega até ele fazendo pregações teológicas ou recordando as normas da lei mosaica. Começa contando uma história que obriga o rei a dar de cara com a realidade e com a sua injustiça. Somente depois de o rei ter caído na real o profeta vai fazer a sua pregação teológica e convidá-lo a uma atitude de mudança. O outro episódio emblemático é a ação simbólica de Jeremias que se coloca na porta do Templo e começa a proclamar em voz alta a lista dos pecados do povo (Jr 7,1-28). Também ele não vai fazer uma pregação sobre os preceitos da Torá e nem tão pouco sobre quem é Javé. Começa sua ação levando o povo a perceber a realidade.
Se vamos para a práxis de Jesus, percebemos a mesma coisa. Ele não é um fariseu e nem um doutor da Lei, que vai fazendo elucubrações teológicas e citando textos bíblicos, dando aulas de teologia. De acordo com a maioria dos exegetas, Jesus não tinha grandes conhecimentos da Torá, uma vez que o estudo da Lei não acontecia no ambiente de Nazaré, onde ele viveu. O conhecimento bíblico de Jesus era mediano, próprio dos moradores da Galileia que viviam distantes de Jerusalém, o centro teológico e cultual da época.
Jesus não sai pela Palestina fazendo discursos teológicos. Ele se insere no meio do povo e, a partir da contemplação da realidade, vai ajudando esse mesmo povo a perceber a presença amorosa de Deus. Não parte de Deus para chegar à realidade, mas parte da realidade para fazer as pessoas se darem conta do amor misericordioso do Pai. Começa falando de comida, de bebida, de roupa, das preocupações cotidianas, convidando os homens e as mulheres a contemplarem a erva do campo e os pássaros do céu (Mt 6,25-34), e, a partir do concreto, chegar até a providência divina e à centralidade do Reino de Deus e da sua justiça (Mt 6,33).
Em outras ocasiões, para explicar como a Palavra age nas pessoas, parte da vida concreta dos lavradores, do trabalho doméstico das mulheres (Mt 13). Para dizer como deve ser a conexão entre o discípulo e o Pai, parte da experiência dos trabalhadores na agricultura, que certamente eram maioria absoluta, senão a totalidade, dos seus ouvintes (Jo 15,1-6). Para explicar como é o seu cuidado e o cuidado do Pai para com as pessoas, fala da atividade do pastor, cuidador de ovelhas (Jo 10,1-21).
Portanto, Jesus não se preocupa em "partir de Deus”, como queriam os fariseus e os legalistas doutores da Lei, preocupados com as picuinhas religiosas e com as precisões teológicas. Jesus partia da vida real, concreta, do seu povo. Como bom pedagogo sabia que esse método funcionava realmente e possibilitava às pessoas compreenderem o que precisavam compreender para aderir à sua proposta de Reino de Deus. E os Evangelhos são unânimes em nos mostrar que o método de Jesus funcionou e que o povo entendeu plenamente a sua mensagem. "E uma grande multidão o escutava com gosto” (Mc 12,37).
A obsessão em querer "partir de Cristo” revela-se falsa e ideológica. Falsa porque se afasta da tradição bíblica e da intuição de grandes santos como João XXIII. Ideológica porque mostra claramente que por trás desse abandono está a intenção clara de não utilizar um método pastoral que eduque o povo de Deus, tornando-o sujeito de sua própria libertação. Pretende-se que a fé cristã funcione como ópio e não como força libertadora e transformadora. Deixando de lado a realidade, ou camuflando-a com pseudo-afirmações teológicas, se esconde a verdade e não se permite a libertação que dela viria. A pregação e a evangelização se tornam "discurso lacunar”: muito palavreado para esconder aquilo que deveria ser realmente dito.
Infelizmente a atual hierarquia vai perdendo a sua condição profética e, por isso, perde também a sua capacidade de evangelizar a partir das situações concretas. O evangelho passa a ser uma abstração, um falatório que não encontra ressonância em lugar nenhum, porque não é anunciado dentro das condições reais das pessoas. E nesse contexto ressoa a palavra profética de Dom Oscar Romero, pronunciada no dia 18 de fevereiro de 1979: "Os fatos concretos, Deus não os despreza. Querer pregar sem referir-se à história em que se prega não é pregar o Evangelho. Muitos gostariam de uma pregação tão espiritualista que deixasse os pecadores como estão, que não dissesse nada aos idólatras, aos que estão de joelhos diante do dinheiro e do poder.
     Uma pregação que não denuncia as realidades pecaminosas, no seio das quais se faz a reflexão evangélica, não é Evangelho”. Por causa disso, como amava repetir Dom Hélder, os atuais documentos eclesiásticos da América Latina voltam a ser "belas teorias sobre uma dura realidade”. Ou, como diz Lepargneur, "na prática a teoria é outra”.
Poucos dias atrás encontrei um padre que acabava de chegar de sua primeira viagem à Europa. Visitou Roma e vários outros "lugares sagrados” europeus. Lá o método ver-julgar-agir nunca foi adotado pela Igreja. Mas esse padre estava aterrorizado com o que viu. Nas igrejas, nas missas, quase ninguém. Só algumas velhinhas arrastando-se com muita dificuldade. A missa tinha que terminar na hora exata, pois na hora marcada os filhos ou netos apareciam, mas apenas para buscar suas mães ou avós.
Isso não me assustou, pois, tendo morado por lá, já conhecia essa situação, a qual deve ter se agravado nos últimos anos. Porém, este é o futuro de uma Igreja que voltou a abandonar o cuidado com a realidade, que insiste em fazer discursos teológicos estéreis, completamente desconectados da situação real do povo. Esse é o futuro de uma igreja que não quer agir "de acordo com as circunstâncias de tempo e de lugar” (João XXIII). Se não soubermos substituir "a santidade de reputação e de fachada pela santidade interior e real, as criaturas mais conscientes, que têm a maior sede de justiça, que são mais desconfiadas e reais, correm o risco de perder a fé” (Dom Helder Camara).


[1] Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

DIA DO PADRE: OUTRO PRESBITÉRIO POSSÍVEL

DIA DO PADRE
- OUTRO PRESBITÉRIO POSSÍVEL –
Pe. Daniel Higino Lopes de Menezes
            Após o primeiro aniversário da conclusão do ano sacerdotal e às vésperas de comemorarmos 50 anos da realização do Concílio Vaticano II, o dia do padre torna-se ocasião propícia para refletirmos sobre o ministério ordenado na Igreja. As mudanças de época com o advento da pós-modernidade e a globalização conduzem a humanidade a outros horizontes. As questões ambientais, as novas tecnologias, a situação de pobreza e a fome no mundo despertam novas preocupações. A emancipação das mulheres na sociedade com a nova compreensão de gênero e o combate a homofobia com a ruptura de antigos paradigmas trazem novas perguntas à Igreja e consequentemente grandes desafios. A configuração do ministério ordenado parece inadequada para responder às exigências atuais. Coragem e ousadia representam a atitude da Igreja para enxergar os sinais dos tempos e com serenidade e amor a tradição buscar respostas para consolidar outro presbitério possível.
            A cada dia levantam-se vozes de todos os cantos do mundo. Trata-se de pautar lacunas existentes. Questiona-se o celibato obrigatório, a ordenação de mulheres, o abandono aos padres idosos, a negação em reconhecer o crescimento do número de presbíteros homoafetivos, o método para escolha dos bispos, o baixo número de bispos negros, o não reconhecimento dos padres envolvidos no mundo do trabalho e da política e a omissão em responsabilizar criminalmente a prática da pedofilia na Igreja colocando em suspeita a índole e a moral do conjunto dos demais padres.
            A história nos ensinou a inviabilidade de posições rígidas. Os radicalismos possuem vida curta. Aqueles que persistem nesse caminho pensam construírem suas casas em alicerces rochosos, mas veem seus prédios caírem sobre areia (Mt 7,24-27). Estamos num tempo de resiliência, diálogo, pluralismo, valores que despertam serenidade, compreensão e revisão de posturas integristas. O momento exige abertura à discussão para aprofundar as questões em pauta na ordem do dia. Não significa a hora de tomar decisões, mas enfrentar os problemas com transparência e seriedade na reflexão.
            Convoquemos os teólogos de todo o mundo. Apareçam os canonistas, venham cientistas de várias áreas do conhecimento, os nossos queridos bispos, diáconos e presbíteros e nos ajudem a pensar. Mulheres e homens, engajados nas pastorais, venham com suas velas, sua reflexão e sua experiência para iluminar essa longa vigília. Espera-se um novo amanhecer na Igreja, sem radicalismos, mas com atitude profética e responsável com as consequências da qualidade da evangelização.
            Deveríamos conversar a respeito dessa conjuntura mundial e eclesial em nossas comunidades, nos retiros do clero, nas assembleias diocesanas. A Igreja poderá convocar sínodos e tematizar os Encontros Nacionais de Presbíteros. A Assembleia dos bispos a cada ano poderia dedicar um dia para aprofundar a temática dos ministérios na Igreja. Os seminaristas, diáconos permanentes deveriam nos seus encontros formular propostas e falar abertamente das suas perspectivas. A Conferência dos Religiosos e as diversas congregações masculinas e femininas podem elaborar documentos e textos que nos ajudem a discernir o caminho.
            A coragem para aprofundar a realidade do ministério ordenado será, talvez, o melhor presente para a Igreja na celebração do primeiro domingo de agosto. Tenhamos essa data como ponto de partida para a construção de outro presbitério possível.

            Sobradinho, 30 de julho de 2011.

Publicado no Blog da ANPB
http://anpbbrasil.blogspot.com/2011/08/dia-do-padre.html