O ano do jubileu
O ano do jubileu- Um ano santo
William César de Andrade[1]
Introdução:
O capítulo que trata diretamente do jubileu é Lv 25, mas a tradição de ano santo em Israel envolve outros gestos de restabelecimento de uma ordem justa e fraterna entre os membros do povo de Deus.
Na tradição de Israel as leis fundamentais para o dia-a-dia da sociedade, para a resolução de pendências judiciais e para o perfeito encontro com Deus, estão reunidas na Torá, isso é os 5 primeiros livros da Bíblia (o Pentateuco). É neste conjunto que se encontra o livro do Levítico e dentro dele o ano santo do jubileu.
O livro do Levítico, tal como aparece em nossas Bíblias atuais, é composto por quatro partes: “1- A Lei sobre os sacrifícios (1-7); 2-A Lei dos sacerdotes; 3-A lei da pureza (11-16); 4- A lei ou código de santidade (17-26). O capítulo 27 é um breve apêndice.”[2]
A santidade é um caminho que individualmente e enquanto povo Deus coloca diante de nós. O povo de Israel entendia isso como um apelo à fidelidade e obediência à Aliança. O Levítico repetirá inúmeras vezes: “Sede santos, pois eu sou santo, eu, o Senhor vosso Deus” (19,2; 20,7.26; 21,8).
O ano santo do jubileu, que aparece em Lv 25 tem sua origem na tradição do Ano sabático, que já era mencionado claramente em Ex 23,10-12: “Durante seis anos semearás a terra e recolherás os seus frutos. No sétimo ano, porém, deixarás de preparar e de cultivar a terra, para que se alimentem os pobres do teu povo, e os animais selvagens comam o resto. O mesmo farás com a vinha e o olival.. Seis dias trabalharás e no sétimo descansarás, para que descansem também o boi e o jumento, e possam tomar fôlego o filho de tua escrava e o estrangeiro.”
Outro texto fundamental para se entender o ano do jubileu é sem dúvida Dt 15,1-18 (cf. Ex 21,1-11). Neste texto estão presentes: a) No sétimo ano perdoará as dívidas de modo que dentro do povo de Israel não existam mais devedores, mas é preciso ser generoso e atento aos pobres em suas necessidades - (contudo mantêm os contratos para os estrangeiros); b)No sétimo ano farás a libertação dos escravos hebreus por dívidas, e isso deve ser algo feito com boa vontade e disponibilizando a ajuda que for possível.
A lei do ano sabático é, sem dúvida resultado de uma preocupação efetiva com a vida das pessoas mais vulneráveis, que na linguagem bíblica são muitas vezes chamados de pobres, fracos/débeis. Elas são indicativos de uma realidade marcada pela opressão, já que Israel quase sempre esteve dominada por grandes impérios: o Egito, a Assíria, Babilônia, os persas, gregos e romanos. Além de pesados impostos, que quase sempre eram pagos apenas pelo povo pobre, ainda havia a exploração interna que era feita pelo latifúndio e os ricos das cidades de Jerusalém, Samaria e outras. Resultado inevitável desse processo são as viúvas e os órfãos e os migrantes (Dt 10,18; 14,29; 16,11-14; 26,12; Is 1.17; 10,2), o endividamento e a escravidão (cf. Mq 2,9); a injustiça e a perda da terra (cf. Is 5,8; Mq 2,1-2).
A proposta do jubileu
Um biblista nos indica que “a palavra jubileu vem do termo hebraico yôbel, cujo significado é ‘chifre’ de carneiro, usado como trombeta para anunciar o grande julgamento de Deus que visa à restauração da justiça.”[3]
Em Lv 25,8-17 estão as informações básicas sobre a celebração do jubileu e o que deveria ser feito por todo o povo de Israel a cada cinqüenta anos. Nele estão previstos:
a) O direito ao descanso da terra (25,11-12) – mas como a ocasião é especial serão dois anos sem que a terra seja trabalhada, isso é, sem semear ou podar os vinhedos. Para que não houvesse fome ou desabastecimento era preciso planejar e estocar o alimento.
b) O direito dos pobres à terra e à casa (|Lv 25,10-13) – as pessoas que perderam suas terras por dívidas podiam regressar a elas sem nenhum impedimento. Ninguém em Israel era proprietário de fato, pois a terra era de Deus, e como dizia Nabot : “...a herança de meus pais” (1Rs 21,3). Voltar para sua terra era também retomar todos os contatos com os parentes, reatar os vínculos e reconstruir sua ‘casa’.
c) O direito dos pobres à liberdade (25,10.39-54). Aqui se supõe que nem sempre a lei do sabático tenha sido cumprida, por isso no jubileu a libertação dos escravos hebreus é uma exigência. Só pertence ao povo de Deus quem for capaz de acolher a vontade de Deus. Em Lv 25,35-55 de explicita como o resgate deve ocorrer.
d) O direito de não ser oprimido ( 25,14-17) – Não se pode aproveitar a situação de crise ou de fragilidade de uma pessoa para tirar vantagem dela nos negócios. Ninguém pode deliberadamente prejudicar a outras pessoas. No livro do Eclesiástico isso é chamado de assassinato (Eclo 34,22-27).
Uma pergunta pode estar em nossa cabeça: como é que as pessoas faziam para assegurar seus direitos adquiridos a partir do ano sabático e do jubileu?
Na tradição bíblica há a figura do resgatador, o defensor do pobre/vulnerável, ele é o goel, só no Lv 25 essa palavra aprece em torno de 18 vezes. Sua função era: 1) Resgatar a terra para seu irmão pobre (cf. Lv 25,25); 2) Resgatar a casa vendida numa cidade fortificada por um ano (Lv 25,29-31); 3) Resgatar os irmãos que foram vendidos como escravo por suas dívidas (Lv 25,47-49); 4) Fazer a justiça a um irmão assassinado (Nm 35,19-21); 5) Cumprir a lei do levirato – desposar sua cunhada viúva e sem filhos a fim de gerar um herdeiro para o irmão falecido (Dt 25,5-10).
Síntese final: A pastoral da igreja, principalmente aquelas que estão voltadas para as situações de vulnerabilidade, junto com os movimentos sociais são os protagonistas atuais do sonho do jubileu.
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