A espiritualidade de Foulcauld no Concílio Vaticano II: novo espírito na vida da Igreja
No
encerramento da semana de oração pela unidade dos cristãos, em 25 de janeiro de
1959, o papa João XXIII anuncia o Concílio Ecumênico do Vaticano II. Surpresa e
perplexidade em todo o mundo. Realiza-se na Igreja um “novo pentecostes”. Em
500 anos de história havia ocorrido apenas 2 concílios e o papa, considerado de
transição, agora convoca toda a Igreja para esse momento novo. Torna-se motivo
de esperança, compromisso e realização. Duas guerras mundiais e várias crises
políticas e econômicas marcam a primeira metade do século XX. No meio desse
contexto, fervilham no seio da Igreja Católica vários movimentos na expectativa
de mudanças profundas. O anseio maior passava no intuito da Igreja responder, à
luz da fé, aos principais desafios da modernidade em crise. Para isso, buscava-se
a renovação litúrgica tornando-a mais acessível a participação dos fiéis; o
espírito de pobreza entre seus ministros e o compromisso com os pobres; o
diálogo com a modernidade, o ecumenismo, o diálogo inter-religioso e a
inculturação; a missionariedade da Igreja numa perspectiva de anunciar a Boa
Nova do Reino de modo testemunhal. Na catequese e na formação dos fiéis toma
centralidade a Palavra de Deus, como fonte de toda educação cristã. Retoma-se
na Igreja a relação fé e vida.
A abertura
da Igreja no horizonte do Concílio Vaticano II vai para além da publicação de
seus 16 documentos. Mais importante é o espírito que conduz a vitalidade desse
novo momento. Tais movimentos renovadores contaram com aspectos da
espiritualidade enraizados nas fontes originárias do cristianismo: o Novo
Testamento, os santos padres, os primeiros Concílios. Dentre esses sinais
salienta-se a vida de Ir. Carlos de Foulcauld e as diversas fraternidades
formadas à partir do testemunho e dos numerosos escritos deixados por ele.
Homem do vento, percorreu Nazaré em busca de Deus, descobriu o último lugar.
Abandonou-se nas mãos do Absoluto e tornou-se irmão universal. Foi para o
deserto e aprendeu a gritar o Evangelho com a Vida. No encontro com os
tuaregues, aprendeu mais que o idioma, nos ensinou a dialogar com as culturas
para descobrir a “semina verbi”
presentes nelas. Na contemplação, nos deu lições de amor; na libertação de
escravos, traduziu em vida o significado do amor e da compaixão pela humanidade.
Enfim, aprendeu de Jesus o sentido do mistério da encarnação e da vida em
Nazaré. Extasiado pela espiritualidade e a oração dos irmãos mulçumanos fez
disso o mergulho necessário para aprofundar nas águas mais profundas do
cristianismo. Sua morte (1 de dezembro de 1916) representou o germinar da
semente desse novo caminho apresentado à Igreja em profundo abandono nas mãos
do Pai.
Este caminho
de espiritualidade alimentou e iluminou a realização do maior Concílio da
Igreja. Quando desejamos a Igreja como comunhão, Povo de Deus reunidos no
mistério da trindade, como não lembrar do Ir. Carlos? Demorou ele aceitar a
ordenação presbiteral, pois a força do seu ministério centrava-se no batismo e
no seguimento da vida pobre e humilde de Jesus de Nazaré. Pensava Ir. Carlos, “a
ordenação me distancia cada vez mais do ideal de viver o último lugar”. Levar a
Eucaristia aos povos mais distantes o convenceu a aceitar a ordenação. Essa busca
de tornar-se irmão universal, de propagar a fé nos lugares mais distantes, aos
mais pobres, nos dá o sentido da missionariedade da Igreja no Concílio Vaticano
II. Evangelizar pelo testemunho, anunciar o Reino, ir ao encontro, representam
a virada fundamental para a vida da Igreja. Charles de Foulcauld apresenta-se
como precursor desse espírito novo na missão. Além disso, destaca-se nessa
jornada do Ir. Carlos a dimensão do diálogo inter-religioso. Essa dimensão
afeta positivamente toda a reflexão da Igreja no Concílio em relação a busca da
tolerância e da valorização da diversidade.
Além da vida do Ir. Carlos, as
inúmeras fraternidades surgidas após sua morte trouxeram muitos frutos para o
Concílio. Na Presbiterorum Ordinis destaca-se o tema da fraternidade
presbiteral (PO 8 e 12). Tal vivência entre padres diocesanos, anterior à
realização do concílio, constituiu-se um elemento importante a ser incentivado.
Sem dúvida, experiências como as Fraternidades Jesus+Caritas e outras semelhantes
constituem um novo impulso aos ministérios na vida da Igreja. Outro aspecto
vivenciado nas fraternidades oriundo da Ação Católica, refere-se a revisão de
vida. Utiliza-se o método Ver-Julgar-Agir de Cardjin na prática cotidiana das
fraternidades. Entre os meios da Fraternidade, encontra-se a revisão de vida.
Esta deve ocorrer no dia da Fraternidade, e, quando possível, após um dia de
deserto.
Cabe perguntar: e hoje, como as
Fraternidades podem manter vivo o espírito do Concílio Vaticano II no seio de
nossa Igreja? Alguns aspectos destacam, sem dúvida. Manter firme o ideal e a
vivência da evangélica opção preferencial pelos pobres de modo a preencher toda
a existência do presbítero. Dar testemunho de partilha e solidariedade, não só
entre os irmãos empobrecidos, mas buscar viver essa máxima cristã no
presbitério. Isso exige intensificar a vida em fraternidade, indo ao encontro
não apenas dos iguais, mas também dos diferentes. A partilha deverá incluir
igualmente a partilha econômica. Não se tornar mero ativista pastoral, executor
de tarefas, super-padre no clero, mas garantir a qualidade da ação
evangelizadora com a vida de contemplação e oração. Não se acomodar apenas à
pregação sobre o valor do Concílio, mas tornar viva em nossas comunidades as
orientações pastorais e o espírito: valorizar o protagonismo dos leigos/as,
superar práticas autoritárias e clericais, viver de modo simples, trabalhar
pelo empenho ecumênico e pelo diálogo inter-religioso, avançar na renovação
litúrgica e na inculturação e não deixar morrer a profecia na Igreja.
Outro
aspecto importante para manter vivo o espírito do Vaticano II refere-se à
missão. Os presbíteros a cada dia são desafiados a ouvir o chamado do Senhor
que clama a ir aos lugares mais distantes. Tornar-se irmão universal, eis o
convite. Há razoável número de presbíteros na Igreja do Brasil, o que nos
faltam são sim presbíteros missionários. Dispostos a sair de si e irem ao
encontro dos afastados, dos excluídos. Atravessar os rincões do egoísmo e das
comodidades e se preciso for, atravessar fronteiras, ir ad gentes. É conhecido de todos, existe cada vez uma maior
concentração de padres nos grandes centros econômicos e escassez de padres nos
lugares mais pobres.
Cabe
ressaltar a importância de várias testemunhas entre nós que perseveram no ideal
do Ir. Carlos e praticam com convicção e amor o Espírito do Concílio nas comunidades.
Dentre estes, estão as Irmãzinhas de Jesus, muitos presbíteros, alguns bispos e
vários leigos/as dispostos a viver com autenticidade o batismo e os diversos
ministérios na Igreja. Peçamos a Deus, ao bem amado Senhor Jesus, a
perseverança para que continuem testemunhando com amor a graça de gritar o
Evangelho com a Vida.
Pe. Daniel Higino Lopes
de Menezes
Arrozal, 08 de janeiro de 2012
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