domingo, 4 de março de 2012

Diário de Fernando



            Leio nesses dias o Diário de Fernando. Obra de Frei Betto escrita a partir das anotações de Frei Fernando no período da prisão entre 1969 a 1973. Conta-nos os horrores do cárcere decifrado em linguagem jornalística. Parece-nos a primeira vista a exposição em fotografias. Em alguns momentos escutamos os gritos das torturas. Se tais câmaras utilizadas hoje para as edições do BBB da rede globo estivessem nas celas dos presídios e DOI-CODI naqueles anos de chumbo não precisaríamos esperar tanto para findar as páginas mais tristes da história brasileira.
            No período entre 1964 a 1985 o Brasil experimentou os anos mais tristes do século. Que vergonha! A barbárie dilacerou vidas humanas e aprofundou o atraso político e social do país. Quão linda seria nossa história se não carregássemos em nossas veias abertas as cicatrizes do terror protagonizado pelo Estado burguês. Orgulha-nos naquela época haver profetas e profetisas na Igreja a gritarem por sobre os telhados os horrores dos porões da ditadura.
            Talvez se perguntem, porque levantar histórias passadas? Não queremos nos tornar cúmplices ao tentar apagar da memória os acontecimentos. Recontar o passado para nossos herdeiros contribui para não mais repetirmos os erros antigos. Assusta-nos ao saber a polêmica criada no Brasil ao tentar aprovar a comissão da verdade ou mesmo o PNDH-3.
            Naqueles anos muitos estudantes, trabalhadores, religiosos, artistas e intelectuais experimentaram os dissabores da maldade humana. Quantas vidas desaparecidas, quantas pessoas mortas, muitos marcados até nos dias de hoje. Já conheci algumas pessoas vítimas de torturas naquela época. Fica difícil conversar sobre o assunto. A emoção toma conta da pessoa como se revivessem tudo novamente. Quanta dor sentimos solidariamente.
            O diário de Fernando conta a experiência dos dominicanos presos naquela ocasião: Frei Fernando de Brito, Frei Betto, Frei Ives do Amaral Lesbaupin, Frei Giorgio Callegari, Frei Roberto Romano e Frei Tito de Alencar. Impressiona na escrita a capacidade de resistência e descoberta do sentido da liberdade. A liberdade fundamental encontra-se na liberdade interior. Ao alcança-la, nenhuma prisão ou privação será capaz de nos tirar a paz. Certo momento o autor escreve “um preso se acostuma a prisão? Não, ninguém se acostuma à privação da liberdade” (BETTO, p.95). E continua: “Esta é sempre mais forte que a nossa abnegação. Um preso se adapta, sim, à vida carcerária, nada desprovida de ritmo e interesses. Pois a inadaptação é o pior tormento, abre a porta para o desespero, ao enfraquecimento, à debilidade moral” (BETTO, p.95).
            Outra frase inesquecível na obra trata-se do comentário bíblico de Mané Cyrillo na prisão ao escutar a história de Judite: “Um revolucionário só morre quando perde a moral”. Que jamais nos esqueçamos disso!

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