CARTA AO POVO DE DEUS
CARTA
AO POVO DE DEUS
“Não
se pertube e não se intimide o vosso coração” Jo 14, 27b.
Queridos
e amadas de Deus,
Começo com uma das frases de D.
Hélder Câmara: “Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para continuar
sempre o mesmo”. Nestes doze anos e cinco meses de padre trouxe na vida muitos
aprendizados: humildade, saber ouvir, caminhar junto, comprometer-se,
solidariedade, amar. Descobri o segredo de ser um bom padre, preocupação
obsessiva do meu tempo de seminarista. O bom padre não é aquele que cumpre
perfeitamente as funções do seu ministério, mas o que procura viver
autenticamente o seu batismo. A nossa vocação, acima de tudo, corresponde a seguir
Jesus Cristo com todo o amor, entendimento, paixão, sabedoria e doação. O padre,
ao buscar a santidade, certamente corresponderá com a responsabilidade de seu
ministério e conduzirá a missão de pastor segundo o coração de Deus. Não somos
detentores do poder temporal, mas servidores da comunidade e, assim,
responsáveis a dar testemunho de Jesus Cristo no mundo e, com gestos e sinais,
traduzir com nossa vida o anúncio do Evangelho. Faz-nos arder o coração as
palavras do papa Francisco, na quinta-feira santa, ao exortar a nós,
presbíteros, invocando a Deus: “Deus Pai renove em nós o Espírito de Santidade
com que fomos ungidos, o renove no nosso coração de tal modo que a unção chegue
a todos, mesmo nas “periferias” onde o nosso povo fiel mais aguarda e aprecia”.
Quão preciosas suas palavras ao valorizar o ministério dos presbíteros inserido
na comunidade.
Nos diversos retiros da Fraternidade
Sacerdotal Jesus+Caritas tenho reforçado tal convicção. Não esqueço o retiro
realizado em Caucaia-CE, em 2010, quando o Pe. Geraldo Gereón nos trouxe a
história de tantos santos. O que marcou a qualidade do ministério desses
consagrados sem dúvida foi a qualidade da sua vida cristã. A ordenação ou não,
foi consequência dessa busca de fidelidade a Deus. Padre Geraldo nos trouxe a
figura de S. Francisco, hoje homenageado pela pessoa do nosso papa; contou-nos
a história do Pe. Huvelin, confessor de Charles de Foulcauld; Pe. Francisco da
Soledade, responsável pela devoção a Bom Jesus da Lapa – BA; Pe. Ibiapina,
missionário do Nordeste; Pe. Cícero, santo canonizado pelo povo brasileiro;
Isabel da Hungria e Antônio Conselheiro. Todos estes santos, em seu tempo,
passaram por diversas incompreensões e até contradições, mas se destacaram pela
coragem e o desejo de acertar na fidelidade ao projeto de Deus. Como disse
certa vez o Pe. Huvelin: “para alguém que procura o seu caminho, o essencial
não é fazer sermão para ele, mas testemunhar que ele é amado”.
Após vários meses de reflexão, e na
busca de discernir os sinais de Deus em minha vida, tomei uma decisão e desejo
comunicar a vocês. Para continuar a viver de modo coerente com o Evangelho, no
seguimento de Jesus e fiel às comunidades, resolvi me afastar do exercício do
ministério presbiteral. Digo a vocês, não foi fácil tomar essa decisão. Não
imaginam quanto sofrimento. Acredito na Igreja, vivo com muita intensidade o ministério
presbiteral e sempre dediquei o melhor para as Comunidades. Contudo, julguei
adequado e correto dar o passo. Entrego tudo isso no coração de Deus. Na oração
da manhã, ao celebrar o Ofício das Comunidades, rezei na oração conclusiva:
“Senhor, tudo começou de novo com a Ressurreição do teu Filho. Desde a manhã,
espalha tua luz em nossos corações e faze-nos viver como consagrados a ti e aos
nossos irmãos. Por Cristo, nosso Senhor. Amém”. É isso, começar de novo. Não me
arrependo do caminho percorrido e pretendo continuar a acertar na caminhada. A
presença de Cristo, nossa Páscoa, nos guia como luz, repleto de esperança e
seguro na força do Espírito.
Agora qual o motivo? Como é
possível? “Mas não vejo crise na vocação do Pe. Daniel!” Não, não saio em
crise. Deixo por convicção. Não é covardia, mas coragem no discernimento. Não
deixo como se o ministério fosse algo fútil ou sem valor, pelo contrário, é
porque o valorizo e sei da responsabilidade desse compromisso. Saio na
confiança e abandono nas mãos do Pai: “Pai, a vós me abandono: fazei de mim o
que quiserdes! O que de mim fizerdes, eu vos agradeço”. O motivo assemelha-se ao
de tantos irmãos presbíteros que tomaram a mesma decisão. Conheci alguém, amei.
Quando se tem atração, se cultiva amizades, surgem paixões, sentimentos de
desejo; a ascese pessoal de alguém convicto do compromisso assumido
naturalmente não o deixa envolver numa relação. Pode-se facilmente conter os
próprios instintos e viver com ternura o celibato. E assim busquei orientar
sempre o meu ministério com responsabilidade nesse sentido. Contudo, a situação
aqui é diferente. Descobri alguém na caminhada e durante os anos cultivei algo
inexplicável, simplesmente a amo. A Igreja no ocidente, neste momento
histórico, me pede o celibato para continuar o exercício do ministério. Não se
permite cultivar a edificação de uma família. Apenas aos diáconos permanentes é
conferido tal direito. Por respeito à disciplina da Igreja e a fim de não levar
nos meus dias de padre qualquer sentimento de frustração, tomei essa decisão.
Difícil a muitas pessoas
compreenderem. Entendo a decepção. Possivelmente experimentarei o preconceito,
a rejeição, a intolerância. Numa cultura ainda machista, me preocupo com a
discriminação que a companheira deverá sofrer. Peço a você, consciente do
momento atual, decepcionado/a diante das expectativas depositadas no nosso
trabalho enquanto presbítero, que acolha essa opção.
Com relação às perspectivas
pastorais, continuo com o mesmo compromisso e paixão pelo Reino. Dedicarei-me
aos trabalhos pastorais com o mesmo afinco. Naturalmente, aquelas funções
próprias dos presbíteros não poderei exercer. Também, por respeito às pessoas,
evitarei participar de atividades que gerem algum constrangimento com a minha
presença. Porém, onde houver aceitação, estarei disposto a colaborar. Os
compromissos agendados prosseguem, a não ser que haja alguma ressalva. Por este
ano, preciso cuidar da minha estabilidade profissional, daí não posso assumir
novos compromissos até assegurar a minha sobrevivência.
Quero expressar meu agradecimento às
comunidades onde trabalhei. Desde o tempo de seminário até o período do pleno
exercício dos ministérios de diácono e presbítero. Aos crismados/as do colégio
Santa Rosa da Paróquia Bom Jesus do ano de 1991; às comunidades do Varjão do
Torto da Paróquia Nossa Senhora do Lago; à Pastoral Vocacional da Arquidiocese
de Brasília; às comunidades de Samambaia da Paróquia Nossa Senhora das Graças;
às comunidades de Taguatinga da Paróquia Santa Terezinha e de modo particular,
aos catequistas; às comunidades de Brazlândia da paróquia do Santuário Menino
Jesus de Praga; às comunidades de Itapuranga da paróquia Nossa Senhora de
Fátima e a toda a diocese de Goiás; às comunidades da Ceilândia da paróquia
Nossa Senhora da Glória e da paróquia Sagrado Coração de Jesus e São José. De
modo muito especial, e com muito carinho, agradeço especialmente aos
paroquianos de todas as comunidades de Santa Maria onde exerci os primeiros
sete anos do ministério sacerdotal. Vocês devem saber o grande amor que
deposito em todos vocês e sabem o quanto dediquei a vida pelo crescimento das
comunidades. Continuem com o mesmo entusiasmo missionário. Não desanimem e jamais
percam a esperança. Agradeço às comunidades mineiras, das paróquias de S.
Miguel e Nossa Senhora de Fátima; às comunidades da paróquia de Nossa Senhora
da Piedade em Justinópolis/ Ribeirão das Neves; às comunidades de Ouro Preto da
Paróquia Nossa Senhora do Pilar; às comunidades de Pai Pedro da diocese de Janaúba
e às comunidades de Brasília de Minas da Arquidiocese de Montes Claros.
Agradeço às comunidades de Sobradinho da paróquia Nossa Senhora do Rosário de
Fátima que me acolheram com tanto amor e deposito grande apreço e carinho por
todas as pessoas. Agradeço à comunidade da Paróquia S. Vicente de Paulo em
Taguatinga Sul onde pude participar, neste último ano, nos finais de semana.
Também quero expressar minha gratidão à Associação Nacional dos Presbíteros do
Brasil, da qual sou filiado e pude participar desse grande projeto nos anos em
que estive na diretoria; agradeço às Fraternidades de Foulcauld que alimentam
minha espiritualidade e pude aprender muito nestes anos todos, graças à
indicação de D. Pedro Casaldáliga; agradeço aos presbíteros e aos bispos com
quem tive a oportunidade de conviver; agradeço aos catequistas do setor 7 da
Arquidiocese de Brasília quando desfrutei da companhia de vocês naqueles anos
da condução da escola catequética; agradeço aos Pejoteiros/as do Brasil inteiro
e de modo especial aos de Brasília que persistem na teimosia desse sonho de liberdade
e protagonismo juvenil; agradeço às CEBs de Brasília, do Regional e Ampliada
Nacional, e com as CEBs, todos os grupos da caminhada, tais como a rede
CELEBRA, CEBI, CARITAS, CRB, Vida e Juventude, CCB e as pastorais sociais.
Fizemos juntos uma grande trajetória que não se encerra aqui, pois pretendo
ainda contribuir muito com os dons que Deus me concedeu. Agradeço aos
servidores da SEDEST e aos catadores de material reciclável de Brasília. Vocês
sabem, a minha saída do ministério não me deixará ausente desse projeto de
inclusão produtiva com o qual sonhamos todos. E agradeço de modo filial ao
nosso Arcebispo de Brasília D. Sérgio da Rocha pela compreensão. Sou testemunha
do quanto dedicas atenção e zelo aos presbíteros da Arquidiocese, e tal decisão
o entristece. Não queria trazer-lhe essa decepção. Apelo ao seu coração de
pastor e me coloco em prontidão para servir a Igreja de outro modo. A sua
presença entre nós não deixa dúvida da retidão e a seriedade na condução do seu
pastoreio em Brasília. Minha admiração não se esgota nesse momento, mas se
aprofunda no desejo de ser fiel à Igreja de Cristo e no reconhecimento da sua
presença pastoral.
Concluo invocando o Espírito Santo a
fim de que Ele continue conduzindo a Igreja no caminho do Seguimento de Jesus.
Peço as orações de todos para o Senhor continuar a nos dar forças nessa
caminhada para assumir com responsabilidade os desafios da vida. Professo a
minha fé em Deus Pai e no seu imenso amor; no seu Filho Jesus, encarnado no
meio dos pobres, vivo e ressuscitado no meio de nós; creio no Espírito Santo
santificador nosso e força na caminhada; creio na Igreja e acredito na vinda do
Reino conforme nos foi anunciado por Jesus de Nazaré. A todos/as meu abraço
fraterno e nos encontraremos na caminhada.
Com carinho e muito Axé,
Daniel Higino Lopes de Menezes
Brasília, 04 de
maio de 2013.
38º Aniversário de Batismo