segunda-feira, 6 de maio de 2013

CARTA AO POVO DE DEUS


CARTA AO POVO DE DEUS
“Não se pertube e não se intimide o vosso coração” Jo 14, 27b.
Queridos e amadas de Deus,
            Começo com uma das frases de D. Hélder Câmara: “Feliz de quem entende que é preciso mudar muito para continuar sempre o mesmo”. Nestes doze anos e cinco meses de padre trouxe na vida muitos aprendizados: humildade, saber ouvir, caminhar junto, comprometer-se, solidariedade, amar. Descobri o segredo de ser um bom padre, preocupação obsessiva do meu tempo de seminarista. O bom padre não é aquele que cumpre perfeitamente as funções do seu ministério, mas o que procura viver autenticamente o seu batismo. A nossa vocação, acima de tudo, corresponde a seguir Jesus Cristo com todo o amor, entendimento, paixão, sabedoria e doação. O padre, ao buscar a santidade, certamente corresponderá com a responsabilidade de seu ministério e conduzirá a missão de pastor segundo o coração de Deus. Não somos detentores do poder temporal, mas servidores da comunidade e, assim, responsáveis a dar testemunho de Jesus Cristo no mundo e, com gestos e sinais, traduzir com nossa vida o anúncio do Evangelho. Faz-nos arder o coração as palavras do papa Francisco, na quinta-feira santa, ao exortar a nós, presbíteros, invocando a Deus: “Deus Pai renove em nós o Espírito de Santidade com que fomos ungidos, o renove no nosso coração de tal modo que a unção chegue a todos, mesmo nas “periferias” onde o nosso povo fiel mais aguarda e aprecia”. Quão preciosas suas palavras ao valorizar o ministério dos presbíteros inserido na comunidade.
            Nos diversos retiros da Fraternidade Sacerdotal Jesus+Caritas tenho reforçado tal convicção. Não esqueço o retiro realizado em Caucaia-CE, em 2010, quando o Pe. Geraldo Gereón nos trouxe a história de tantos santos. O que marcou a qualidade do ministério desses consagrados sem dúvida foi a qualidade da sua vida cristã. A ordenação ou não, foi consequência dessa busca de fidelidade a Deus. Padre Geraldo nos trouxe a figura de S. Francisco, hoje homenageado pela pessoa do nosso papa; contou-nos a história do Pe. Huvelin, confessor de Charles de Foulcauld; Pe. Francisco da Soledade, responsável pela devoção a Bom Jesus da Lapa – BA; Pe. Ibiapina, missionário do Nordeste; Pe. Cícero, santo canonizado pelo povo brasileiro; Isabel da Hungria e Antônio Conselheiro. Todos estes santos, em seu tempo, passaram por diversas incompreensões e até contradições, mas se destacaram pela coragem e o desejo de acertar na fidelidade ao projeto de Deus. Como disse certa vez o Pe. Huvelin: “para alguém que procura o seu caminho, o essencial não é fazer sermão para ele, mas testemunhar que ele é amado”.
            Após vários meses de reflexão, e na busca de discernir os sinais de Deus em minha vida, tomei uma decisão e desejo comunicar a vocês. Para continuar a viver de modo coerente com o Evangelho, no seguimento de Jesus e fiel às comunidades, resolvi me afastar do exercício do ministério presbiteral. Digo a vocês, não foi fácil tomar essa decisão. Não imaginam quanto sofrimento. Acredito na Igreja, vivo com muita intensidade o ministério presbiteral e sempre dediquei o melhor para as Comunidades. Contudo, julguei adequado e correto dar o passo. Entrego tudo isso no coração de Deus. Na oração da manhã, ao celebrar o Ofício das Comunidades, rezei na oração conclusiva: “Senhor, tudo começou de novo com a Ressurreição do teu Filho. Desde a manhã, espalha tua luz em nossos corações e faze-nos viver como consagrados a ti e aos nossos irmãos. Por Cristo, nosso Senhor. Amém”. É isso, começar de novo. Não me arrependo do caminho percorrido e pretendo continuar a acertar na caminhada. A presença de Cristo, nossa Páscoa, nos guia como luz, repleto de esperança e seguro na força do Espírito.
            Agora qual o motivo? Como é possível? “Mas não vejo crise na vocação do Pe. Daniel!” Não, não saio em crise. Deixo por convicção. Não é covardia, mas coragem no discernimento. Não deixo como se o ministério fosse algo fútil ou sem valor, pelo contrário, é porque o valorizo e sei da responsabilidade desse compromisso. Saio na confiança e abandono nas mãos do Pai: “Pai, a vós me abandono: fazei de mim o que quiserdes! O que de mim fizerdes, eu vos agradeço”. O motivo assemelha-se ao de tantos irmãos presbíteros que tomaram a mesma decisão. Conheci alguém, amei. Quando se tem atração, se cultiva amizades, surgem paixões, sentimentos de desejo; a ascese pessoal de alguém convicto do compromisso assumido naturalmente não o deixa envolver numa relação. Pode-se facilmente conter os próprios instintos e viver com ternura o celibato. E assim busquei orientar sempre o meu ministério com responsabilidade nesse sentido. Contudo, a situação aqui é diferente. Descobri alguém na caminhada e durante os anos cultivei algo inexplicável, simplesmente a amo. A Igreja no ocidente, neste momento histórico, me pede o celibato para continuar o exercício do ministério. Não se permite cultivar a edificação de uma família. Apenas aos diáconos permanentes é conferido tal direito. Por respeito à disciplina da Igreja e a fim de não levar nos meus dias de padre qualquer sentimento de frustração, tomei essa decisão.
            Difícil a muitas pessoas compreenderem. Entendo a decepção. Possivelmente experimentarei o preconceito, a rejeição, a intolerância. Numa cultura ainda machista, me preocupo com a discriminação que a companheira deverá sofrer. Peço a você, consciente do momento atual, decepcionado/a diante das expectativas depositadas no nosso trabalho enquanto presbítero, que acolha essa opção.
            Com relação às perspectivas pastorais, continuo com o mesmo compromisso e paixão pelo Reino. Dedicarei-me aos trabalhos pastorais com o mesmo afinco. Naturalmente, aquelas funções próprias dos presbíteros não poderei exercer. Também, por respeito às pessoas, evitarei participar de atividades que gerem algum constrangimento com a minha presença. Porém, onde houver aceitação, estarei disposto a colaborar. Os compromissos agendados prosseguem, a não ser que haja alguma ressalva. Por este ano, preciso cuidar da minha estabilidade profissional, daí não posso assumir novos compromissos até assegurar a minha sobrevivência.
            Quero expressar meu agradecimento às comunidades onde trabalhei. Desde o tempo de seminário até o período do pleno exercício dos ministérios de diácono e presbítero. Aos crismados/as do colégio Santa Rosa da Paróquia Bom Jesus do ano de 1991; às comunidades do Varjão do Torto da Paróquia Nossa Senhora do Lago; à Pastoral Vocacional da Arquidiocese de Brasília; às comunidades de Samambaia da Paróquia Nossa Senhora das Graças; às comunidades de Taguatinga da Paróquia Santa Terezinha e de modo particular, aos catequistas; às comunidades de Brazlândia da paróquia do Santuário Menino Jesus de Praga; às comunidades de Itapuranga da paróquia Nossa Senhora de Fátima e a toda a diocese de Goiás; às comunidades da Ceilândia da paróquia Nossa Senhora da Glória e da paróquia Sagrado Coração de Jesus e São José. De modo muito especial, e com muito carinho, agradeço especialmente aos paroquianos de todas as comunidades de Santa Maria onde exerci os primeiros sete anos do ministério sacerdotal. Vocês devem saber o grande amor que deposito em todos vocês e sabem o quanto dediquei a vida pelo crescimento das comunidades. Continuem com o mesmo entusiasmo missionário. Não desanimem e jamais percam a esperança. Agradeço às comunidades mineiras, das paróquias de S. Miguel e Nossa Senhora de Fátima; às comunidades da paróquia de Nossa Senhora da Piedade em Justinópolis/ Ribeirão das Neves; às comunidades de Ouro Preto da Paróquia Nossa Senhora do Pilar; às comunidades de Pai Pedro da diocese de Janaúba e às comunidades de Brasília de Minas da Arquidiocese de Montes Claros. Agradeço às comunidades de Sobradinho da paróquia Nossa Senhora do Rosário de Fátima que me acolheram com tanto amor e deposito grande apreço e carinho por todas as pessoas. Agradeço à comunidade da Paróquia S. Vicente de Paulo em Taguatinga Sul onde pude participar, neste último ano, nos finais de semana. Também quero expressar minha gratidão à Associação Nacional dos Presbíteros do Brasil, da qual sou filiado e pude participar desse grande projeto nos anos em que estive na diretoria; agradeço às Fraternidades de Foulcauld que alimentam minha espiritualidade e pude aprender muito nestes anos todos, graças à indicação de D. Pedro Casaldáliga; agradeço aos presbíteros e aos bispos com quem tive a oportunidade de conviver; agradeço aos catequistas do setor 7 da Arquidiocese de Brasília quando desfrutei da companhia de vocês naqueles anos da condução da escola catequética; agradeço aos Pejoteiros/as do Brasil inteiro e de modo especial aos de Brasília que persistem na teimosia desse sonho de liberdade e protagonismo juvenil; agradeço às CEBs de Brasília, do Regional e Ampliada Nacional, e com as CEBs, todos os grupos da caminhada, tais como a rede CELEBRA, CEBI, CARITAS, CRB, Vida e Juventude, CCB e as pastorais sociais. Fizemos juntos uma grande trajetória que não se encerra aqui, pois pretendo ainda contribuir muito com os dons que Deus me concedeu. Agradeço aos servidores da SEDEST e aos catadores de material reciclável de Brasília. Vocês sabem, a minha saída do ministério não me deixará ausente desse projeto de inclusão produtiva com o qual sonhamos todos. E agradeço de modo filial ao nosso Arcebispo de Brasília D. Sérgio da Rocha pela compreensão. Sou testemunha do quanto dedicas atenção e zelo aos presbíteros da Arquidiocese, e tal decisão o entristece. Não queria trazer-lhe essa decepção. Apelo ao seu coração de pastor e me coloco em prontidão para servir a Igreja de outro modo. A sua presença entre nós não deixa dúvida da retidão e a seriedade na condução do seu pastoreio em Brasília. Minha admiração não se esgota nesse momento, mas se aprofunda no desejo de ser fiel à Igreja de Cristo e no reconhecimento da sua presença pastoral.
            Concluo invocando o Espírito Santo a fim de que Ele continue conduzindo a Igreja no caminho do Seguimento de Jesus. Peço as orações de todos para o Senhor continuar a nos dar forças nessa caminhada para assumir com responsabilidade os desafios da vida. Professo a minha fé em Deus Pai e no seu imenso amor; no seu Filho Jesus, encarnado no meio dos pobres, vivo e ressuscitado no meio de nós; creio no Espírito Santo santificador nosso e força na caminhada; creio na Igreja e acredito na vinda do Reino conforme nos foi anunciado por Jesus de Nazaré. A todos/as meu abraço fraterno e nos encontraremos na caminhada.
            Com carinho e muito Axé,
Daniel Higino Lopes de Menezes
Brasília, 04 de maio de 2013.
38º Aniversário de Batismo