terça-feira, 8 de novembro de 2011

A solidão de Bento XVI


31/10/2011  |  domtotal.com

Crise de um papado: a solidão de Bento XVI

Confira um trecho do livro "Joseph Ratzinger. Crisi di un papato", do vaticanista italiano Marco Politi, publicado no jornal Il Fatto Quotidiano.
As polêmicas sobre o caso Williamson (o bispo lefebvriano negacionista ao qual Bento XVI removeu a excomunhão em 2009, junto com outros três prelados cismáticos) coloca em discussão explicitamente o modo com o qual Bento XVI governa a Igreja. Os observadores denunciam uma Curia em desordem, um papa encerrado no seu palácio e constrangido a enfrentar uma tempestade que o L´Osservatore Romano define como inaudita nos tempos recentes. 

São dias em que um veterano de Cúria confia em off: "Embora ele tenha estado no Vaticano por mais de 20 anos na qualidade de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger não conhece a cúria de fato. Ontem, ele estava trancado na sua sala no Santo Ofício, hoje está fechado no seu escritório de pontífice. Ele é um teólogo, não um homem de governo. Ele passa metade do dia se ocupando com os problemas da Igreja e a outra metade, concentrado nas suas pesquisas sobre Jesus". 

Certamente, existem em torno dele os "fidelíssimos". À frente, o cardeal secretário de Estado Bertone. Mas a fidelidade não basta. Os sinais de que algo não funciona sobre a ponte de comando no Vaticano foram logo entrevistos. Se o conflito com o mundo islâmico que explodiu em Regensburg ainda podia ser considerado como um incidente dos mais indulgentes, as coisas mudaram em 2007: quando entra em cena, em Varsóvia, a nomeação sem precedentes – e depois a precipitada revogação – de um bispo informante dos serviços secretos comunistas, a opinião pública sente a ausência de uma liderança segura. 

Comentam no Herald Tribune os enviados Craig S. Smith e Ian Fisher: "Embora a sua grande experiência em doutrina e teologia seja indiscutível, alguns críticos afirmam que (o Papa Bento XVI) carece de um pleno domínio da habilidade política necessária para uma organização tão grande e complexa como a Igreja Católica... Há quem sugira que o papa não é bem auxiliado pelos seus conselheiros, ou tem a tendência de tomar decisões importantes principalmente por conta própria". 

Bento XVI estuda atentamente os processos que lhe são submetidos, mas o seu modo de trabalhar é tendencialmente solitário. Os contatos com os seus colaboradores se concentram principalmente nas chamadas "audiências de tabela", os regulares encontros semanais com o secretário de Estado, o Substituto, o ministro do Exterior, o prefeito das Congregações para a Doutrina da Fé e dos Bispos. 

Só duas vezes por ano, ocorre a reunião colegial dos responsáveis de todas as congregações. É como se o chefe de Estado ou de governo de uma potência internacional reunisse o conselho de ministros unicamente a cada seis meses. João Paulo II recebia individualmente, a cada dois anos, os embaixadores papais para tomar o pulso da situação internacional. Bento XVI concede-lhes uma audiência protocolar por ocasião da transferência para uma nova sede. 

Sem líder político 

Bento XVI não utiliza nem os almoços de trabalho, instrumento que João Paulo II aproveitava largamente. "Wojtyla governava ouvindo", comenta o historiador Andrea Riccardi, líder da Comunidade de Santo Egídio, e "jamais comia sozinho". 

Assim, criou-se um clima no Vaticano, cuja característica dominante é de "não perturbar o motorista". Um cardeal no Norte da Europa defende que Bento XVI "é tímido, mas hesita em defender suas próprias ideias". Por isso é difícil fazer com que ele as mude. 

O cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado, não pode ou não consegue se opor a esse conjunto de fatores. Desde o momento da sua nomeação, ele foi considerado pela Cúria como um forasteiro e assim continua sendo percebido. Na Cúria, ele é considerado responsável por não ter mão política (no sentido técnico do termo) na condução do governo da Santa Sé. Muitos curiais tem saudade do punho de ferro do ex-secretário de Estado, Sodano, e sentem falta da era wojtyliana, era em que "havia uma linha, uma visão, orgulho de fazer e palavras de ordem precisas". 

Bertone é julgado com perplexidade por ter envolvido excessivamente o seu papel nos jogos da política italiana. É recordada a sua participação em um jantar, organizado no dia 8 de julho de 2010 por Bruno Vespa. A presença do cardeal acabou avalizando um favor do apresentador de televisão [Vespa] ao hóspede príncipe da noite, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, que tentou convencer o comensal Pier Ferdinando Casini, líder da UDC, a entrar no seu governo. Saber que o máximo colaborador do pontífice aceitou (acabou por) servir de moldura para um tête-à-tête tipicamente político suscita muitos maus humores na cúria. 

O teólogo que não ouve 

Em Bento XVI, reconhece-se uma inteligência particularmente aguda, um estilo de vida austero, uma vasta formação teológica, uma rejeição de qualquer familismo de aliança. A observação que lhe é dirigida é a de enfrentar os problemas exclusivamente segundo uma impostação teológica. 

Um problema essencial, que desnuda as dificuldades do governo central da Igreja, refere-se ao insuficiente debate sobre as decisões a serem tomadas. Com relação às dimensões da comunidade católica mundial e ao cenário internacional, em que a Santa Sé opera, a discussão é praticamente asfixiante. Mais de um cardeal defende a urgência de deixar que os "bispos falem livremente, ouvindo o que eles dizem". 

Uma outra crítica diz respeito à instauração de um clima de excessiva apologia ao pontífice. O historiador Giovanni Miccoli observa: "É como se não houvesse quem tem nas mãos o timão do comando do governo .O Papa Ratzinger escreve livros, documentos, discursos, concentra-se sobre a relação entre fé e razão". O sociólogo católico Franco Garelli acrescenta: "Percebe-se uma fraqueza do governo institucional. Muitas vezes, mais do que o consenso, prevalece a reverência". 

Teoricamente, desde o início, Ratzinger teve presente a exigência de não vincular a Igreja do terceiro milênio ao modelo absolutista. "Uma Igreja de dimensões global, e nesta situação do planeta, não pode ser governada de modo monárquico", garantiu ele cinco meses antes de ser eleito. Não foi assim. Em seis anos, foram realizadas somente três reuniões plenárias do Colégio Cardinalício. 

Uma catolicidade dividida 

O papa de 84 anos viaja, publica documentos, faz seus discursos, mas, além dessas atividades, muitos fiéis percebem uma situação de imobilismo. Enquanto isso, aprofunda-se, dentro da comunidade católica, a ruptura entre duas grandes tendências. Aqueles que se encastelam na reafirmação da "identidade católica", e aqueles que esperam uma Igreja capaz de lidar com as novas temáticas. Na cúpula eclesiástica, finge-se que não se vê a realidade de uma catolicidade dividida, onde se multiplicam fiéis que, em termos de fé, moral, doutrina e relação com a sociedade contemporânea, têm abordagens distantes do magistério pontifício. 

Depois de uma primeira explosão de consensos, a atração pelo Papa Ratzinger diminuiu. O declínio começou no terceiro ano de pontificado. A Itália, com sua cobertura jornalística quase cotidiana, continua sendo um caso à parte. Na arena internacional, Ratzinger continua sendo percebido como personalidade de alto perfil que afeta as elites culturais. No entanto, diminuiu a ressonância planetária do papado. 

É sobretudo a concepção da relação entre Igreja e sociedade que abre interrogações sobre o atual pontificado. Este mundo tão multiforme em suas crenças, tão secularizado, tão irredutível ao velho esquema de "uma fé – um povo – uma autoridade de Igreja" e, ao mesmo tempo, tão vital nas suas pulsões religiosas, aparece, para a Igreja ratzingeriana, sob a máscara do inimigo. 

Bento XVI entrevê no cenário contemporâneo uma "ação multiforme que visa a destruir as raízes cristãs da civilização ocidental". Às vezes, a situação atual lhe parece semelhante – e ele diz isso abertamente – ao declínio do Império Romano. 

Ratzinger jamais apresentou um programa de governo. Com o passar dos anos, essa impostação – o fato de ter deslocado a ênfase do planejamento à pregação – pesa. O Papa Wojtyla criou o seu projeto ao longo do caminho. Paulo VI havia se colocado a missão de levar a termo o Concílio Vaticano II e de completá-lo com os documentos e as instituições necessárias. Pio XII, depois da Segunda Guerra Mundial, tinha o claro objetivo de reorganizar a "sociedade cristã", modernizando-a nas suas formas de ação. Bento XVI, no fundo, permaneceu um pensador, mais do que um homem de governo.
Jornal Il Fatto Quotidiano, 08-10-2011

Retiro da Fraternidade


RETIRO DA FRATERNIDADE
         Prezadas companheiras e companheiros,
            Chega o fim do ano, tantos projetos realizados, outros em busca de realizações. Qual a síntese cada pessoa faz desse tempo? Por trás de tudo isso se revela o Mistério. “Todas as coisas são mistérios”, como canta Zé Vicente. O tempo não apenas existe como “chronos”, mas também como “kairós”, ou seja, tempo de graça.
            Na busca da transcendência que nos sintoniza com o Divino Mistério, somos mergulhados na experiência da transcendência do Outro que nos interpela aos sonhos, as lutas e a partilha. Disso nasce a fraternidade nessa consciência de contemplarmos nas pessoas o rosto materno de Deus. Experiência sagrada do encontro e da mística, do amor e serviço aos irmãos nessa caminhada pela construção dos sinais do Reino em nossas vidas.
            Assim, quero convidá-lo e convidá-la a passarmos juntos o final de semana dos dias 19 e 20 de novembro em retiro de oração e partilha. Será muito bom! Como acontecerá o retiro?
            Iniciaremos às 8hs com café da manhã seguido da orientação. Passaremos o dia em oração pessoal (deserto) e nos encontraremos no final do dia para refeição e revisão de vida em grupos. Não se preocupe com o jejum, ele faz parte, mas poderemos levar alguma coisa para comer caso a fome aperte muito. No Domingo, faremos a leitura orante da bíblia comunitária e encerraremos com a Eucaristia. As orações e celebrações pretendem ocorrer em espírito ecumênico, com liturgias participativas e inculturadas, impulsionará o espírito profético da caminhada sem perder o âmbito da experiência subjetiva do sagrado. A metodologia desse retiro se inspira na tradição espiritual de Charles de Foucauld. E onde ocorrerá?
            Faremos o retiro na chácara Emaús em Abadiânia – GO. Atrás do Jerivá sentido Goiânia, lembra? Viu! Muito fácil... Quanto será a taxa?
            Muito barato, cobraremos R$ 20,00. Servirá para prepararmos as refeições. E qual horário começa?
         Iniciaremos às 8hs. Cedo? É assim mesmo. Desse modo aproveitaremos bem o retiro. Pretendemos concluí-lo com o almoço de Domingo. Claro, retiro pequeno, mas teremos vários outros.
            Peço que levem Bíblia e muita disposição para esse momento especial de partilha. Se acharem bacana, levem algo para beber, violão, atabaque ou cds com boas canções. No sábado após a revisão de vida, quem sabe se fizéssemos uma confraternização.
            Muito importante! Preciso da sua confirmação até o dia 13 de novembro. Temos apenas 20 vagas. Desculpe a demora na cartinha, creio que muitos de vocês já sabiam, daí não nos preocupamos muito.
            Oi que prazer, que alegria, o nosso encontro de Irmãos! Aguardo sua resposta logo. Abraços!
            Daniel Higino e equipe de coordenação.
Sobradinho, 8 de novembro de 2011.
Dia dos mártires indígenas de Pai Tavyetará, Paraguai.
        
Retiro da Fraternidade
Local: Chácara Emaús, atrás do Jerivá de Abadiânia – GO, sentido Goiânia.
Data: 19 e 20 de novembro
Horário: Início 8hs do sábado com término no almoço de Domingo
Inscrição: até o dia 13 de novembro.
Taxa: R$ 20,00

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

José Comblin e Paulo Freire




Eduardo Hoornaert

Como os tempos correm rápidos está na hora de se recuperar a memória de pessoas que renovaram significativamente o pensamento no Brasil nos últimos cinqüenta anos. Muitas delas não são mais conhecidas pela juventude emergente, o que é uma pena. Pois, como escreve Bertold Brecht, ‘quem desconhece sua história está condenado a repeti-la’.

Enfoco aqui duas figuras que atuaram em áreas aparentemente muito diversas: José Comblin, o teólogo, e Paulo Freire, o educador. Quem observa as coisas de mais perto percebe que a distância entre ambos é apenas aparente. Na realidade, ambos são eminentes educadores. Todos repetem que a educação é o grande problema do Brasil, mas poucos dizem o que entendem por educação. Todos dizem que a educação escolar não corresponde aos desafios da vida atual, mas poucos dizem com clareza como remediar a essa situação. É aqui que entra Paulo Freire. Ele diz com toda clareza: a educação tem de partir de ‘temas geradores’.

As situações vividas no dia-a-dia geram a reflexão e desse modo originam a educação. Quem nasceu e se criou numa casa de taipa reflete o que isso significa na sociedade em que vivemos, e o mesmo se dá com quem se criou num apartamento de luxo. Em outras palavras, a casa (o apartamento), a rua, o bairro, o trabalho, o dinheiro, o corpo, o sexo, a festa, etc. são temas geradores de educação. Da realidade se chega à reflexão, que por sua vez gera a ação. Logo se vê que o método Paulo Freire combina bem com o método Cardijn, o sacerdote belga fundador da Juventude Operária Católica (JOC) nos anos 1940, que criou um método de formação de jovens operários(as) baseado no lema ‘ver, julgar, agir’. Cardijn não fala em ‘temas geradores’, mas a intuição é a mesma.

Ora, quando José Comblin chega ao Brasil em 1958, ele está imbuído da metodologia de José Cardijn. Ele inicia seu trabalho aqui com a JOC, e depois de muitas peripécias consegue, em 1969, ‘fugir’ do Instituto de Teologia de Recife (ITER) com nove seminaristas dispostos a repensar sua vocação sacerdotal em consonância com a realidade do povo rural do Nordeste. É em cima dessa disposição por parte de jovens candidatos ao sacerdócio que Comblin elabora a ‘teologia da enxada’, que significativamente está articulada nos ‘temas geradores’ de Freire: a casa, a comunidade local, a terra, o trabalho, a refeição, o corpo, a festa.

Penso que Comblin pedagogo é mais importante que Comblin teólogo e conselheiro de bispos. A teologia da enxada é um método pedagógico que excede de longe as experiências concretas com seminaristas. Hoje se assemelha ao método Paulo Freire aplicado à formação de agentes de pastoral, como se pode verificar em seis ‘escolas missionárias’, espalhadas por cinco estados nordestinos: Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí. Trata-se de uma experiência que merece ser melhor divulgada, inclusive junto a políticos responsáveis pela educação. Muitos deles (mesmo os da esquerda) não parecem perceber a relevância do método na educação e pensam que basta conseguir verbas para as instituições educacionais existentes. Seria bom se eles se aprofundassem na metodologia exemplarmente praticada por figuras como José Cardijn, Paulo Freire e José Comblin (poderíamos acrescentar aqui Ivan Illich, mas isso nos levaria longe).

De qualquer modo, Comblin figura ao lado de Paulo Freire como expressão de uma pedagogia nova na América Latina, surgida na década de 1960. Sua pedagogia é relevante para a sociedade como um todo, não só para a igreja. Ela é revolucionária no sentido que está baseada no ‘amor desordenado’, ou seja, num amor pelas pessoas que desordena a sociedade estabelecida, baseada na injustiça. Como escreve José Comblin numa sequência de três frases lapidares: o amor não fundamenta a ordem, mas a desordem. O amor quebra toda a estrutura da ordem. O amor fundamenta a liberdade e, por conseguinte, a desordem.

* Eduardo Hoornaert: padre belga, casado com Tereza, há mais de 50 anos no Brasil. Historiador e teólogo, dedica-se agora ao estudo das origens do Cristianismo. Mais do 30 livros pubvlicados. Mora em Salvador

Recomendação de leitura


LOHFINK, Gerhard. Deus precisa da Igreja? Teologia do povo de Deus. [Tradução de Alfred J. Keller]. São Paulo: Loyola, 2008.
“Do exame da teologia de Israel, da práxis de Jesus, da experiência da comunidade primitiva e da situação atual das Igrejas, emerge uma história impulsionada por Deus mediante um povo particular. A Bíblia revela um Deus que age em algum lugar concreto, em determinada hora e por meio de pessoas escolhidas. Ele faz que sua história avance de uma maneira divergente de nossas idéias e planos. Pode haver uma história mais improvável e até ‘impossível’ do que a do homem que veio de Nazaré? O livro vai mais longe: pergunta por Deus, pela criação, pela evolução e pela história, pois sem o esclarecimento dessas questões não há como entender o conceito bíblico da escolha, que atualmente se tornou um verdadeiro escândalo para muitos cristãos. Deus continua agindo em seu povo até hoje, criando o novo também em nossos dias. As velhas histórias da Bíblia renascem, levando-nos pela mão para o caminho que Deus quer trilhar com sua Igreja. Os planos de Deus não coincidem com os nossos. Por isso, seguir o plano de Deus significa confiar em suas promessas e ir ao encontro de algo que é humanamente imprevisível, vivendo sempre na certeza de que Deus nos sustenta e guia. Aos que se preocupam com a Igreja e se questionam acerca de sua relevância para nosso tempo, e aos que se interrogam sobre a identidade e o objetivo da Igreja, este livro contribui para articular uma resposta teologicamente satisfatória à questão proposta no título”.
A obra de Lohfink possui densa profundidade teológica. Ler tal obra assemelha-se a experiência da escuta atenta dos grandes retiros espirituais. O texto revela pontos importantes da exegese bíblica em relação a teologia do Povo de Deus. Seu ponto fraco revela-se nas nuances conservadoras a semelhança do teólogo Ratzinger, hoje papa.