Mensagem de Páscoa em tempos de Sábado Santo
Feliz Páscoa!
Como dizer, nesse dia 27 de março de
2016, “Feliz Páscoa! ”, se ainda
estamos no Sábado Santo? Ora, o Sábado Santo é o fim da história, das utopias,
da esperança anunciada pelos profetas antigos. É o dia em que se inicia o
processo de putrefação do corpo de Jesus, a morte de Deus, colocado embaixo da
terra, sem vida, com a pele manchada de tortura e sangue. Como pode, Senhor?
Entrastes em Jerusalém aclamado com palmeiras e mantos e, em seguida, as mesmas
multidões se rebelaram contra ti com ódio e intolerância. Eis a morte do justo,
com tortura, escárnio e violência! Tudo está acabado! No sábado santo,
comemora-se a festa dos imperadores, dos ricos, da prepotência, do massacre dos
pobres. No sábado santo cantamos o salmo: “Estamos fartos dos escárnios dos
ricaços e do desprezo dos soberbos” (Salmo 123/122, 4). Este é o primeiro dia após a vitória da opressão, da
mentira, da sombra e da escuridão. É, por excelência, a hora de voltar para casa
de cabeça baixa, humilhado, confuso e com medo; sem nenhuma perspectiva de
futuro. Ou talvez o dia de se colocar em vigília e confiança na promessa de
Deus!
Feliz Páscoa!
Apesar dessa data, ainda é Sábado
Santo, nosso Sábado Santo. O povo está dividido; as famílias não se entendem;
os amigos, nem sempre são mais amigos. Os meios de comunicação de massa
difundem o ódio. Enquanto isso, um pai é preso com seu filho por ser contra o
ódio. Há condenação sem julgamento, perseguição violenta à imagem de lideranças
políticas populares: nossa Dilma, nosso Lula e tantas outras Dilmas e Lulas.
Sinto no ar amargura, dor, confusão e medo nas pessoas. A democracia está
ameaçada, direitos individuais são desrespeitados, a Constituição Brasileira é
negada por aqueles que deveriam protegê-la e afirmá-la. O poder judiciário, por
causa de alguns, começa a perder sua identidade e, logo, sua credibilidade.
Ouve-se nas ruas a descrença generalizada na política. O que será? Virá então
um novo poder autoritário? Enquanto isso, convive-se com a crise econômica,
política e social. Pior para quem? (...) Além do mais, avança a ameaça aos
direitos dos pobres, congela-se o projeto popular e, aos poucos, se fortalece a
interferência do imperialismo estrangeiro e o risco à soberania do país.
Feliz Páscoa!
Por que, então, feliz Páscoa? Porque,
naquela madrugada, “no primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de
Jesus, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra havia sido removida do
túmulo” (Jo 20,1). Porque, quando
Madalena chamou Pedro e o outro discípulo e eles foram ao túmulo, este “viu e
acreditou”. Feliz Páscoa, porque das profundezas da terra desperta a luz de
Cristo Salvador. A experiência vivida pelos discípulos e discípulas de Jesus
suscitou no fundo da alma uma alegria indescritível. Antes estavam apavorados.
Agora, ao fazerem a experiência do acontecimento, tomam coragem e saem às ruas para
anunciar a boa notícia. É chegada a hora de retomar a luta e o projeto de
Jesus. As comunidades se organizam, implanta-se o projeto popular da partilha,
do despojamento dos ricos, da recuperação da vista aos cegos, da libertação dos
condenados, da vitória da vida sobre a morte, da verdade sobre a mentira, do
amor sobre o ódio. Os pobres reencontram a esperança e saem animados pelo
Espírito na construção do Reino da igualdade, da justiça, da fraternidade, da
comunhão, da solidariedade e da Paz. Assim como anunciou o profeta Isaías, a
promessa se realiza: “Eu, o Senhor, chamei você para a justiça, tomei-o pela
mão, e lhe dei forma, e o coloquei como aliança de um povo e luz para as nações.
Para você abrir os olhos dos cegos, para tirar os presos da cadeia, e do
cárcere os que vivem no escuro” Is 42, 6.
Feliz Páscoa!
A madrugada se aproxima, a vigília
continua e logo veremos a pedra removida. Dizer Feliz Páscoa exige de nós
atitudes pascais. Implica ressuscitar o projeto popular engessado pela tentativa
de conciliação de classes; significa escutar a voz das mulheres, dos negros,
dos indígenas, da comunidade LGBT, dos estudantes, dos sem terra, dos sem teto,
dos catadores de material reciclável, da população em situação de rua e dos
diversos movimentos que lutam por libertação; representa romper o medo, tomar
as ruas, retomar o trabalho de base, fortalecer a educação popular, ampliar as
redes de comunicação do povo através de boletins, rádios comunitárias, whatsapp,
facebook, youtube, tvs comunitárias, jornal comunitário e outros mais.
Acreditar na ressurreição tem como consequência avançar no resgate da cidadania
plena aos brasileiros e brasileiras com reforma política, reforma agrária e
trabalho; com ampliação do acesso dos pobres às universidades, principalmente
nos cursos de medicina e direito; com garantia da demarcação das terras
indígenas; com o combate da violência contra as mulheres, os negros e os jovens;
com investimento na reforma da educação numa perspectiva emancipadora das crianças,
jovens e adultos e com o resgate de tantas outras dívidas sociais em curso.
Quando Pe. João Bosco Burnier foi assassinado por policiais em Cascalheira –
MT, em 1976, D. Pedro assim disse: “sem ódio ao ódio e sem medo da liberdade,
prosseguiremos o nosso caminho, com a certeza do amor que nos amou até o fim”.
Feliz Páscoa! E não deixemos a longa
vigília dessa madrugada fria e gelada desse Sábado Santo.
Fraternalmente,
Daniel Higino